domingo, 29 de dezembro de 2013

Acontamentos de Lendas e Relendas de Thomas Bakk






Thomas Bakk, um excelente contador de histórias, que para além de muitos outros ofícios, tem a particularidade de transformar todas as histórias, que conta, em versos. Ao mesmo tempo que o faz, dá-lhes um toque de magia misturada com um humor muito próprio e que nos cativa desde o primeiro instante.









“Acontamentos de Lendas e Relendas” é um pequeno livro da sua autoria, em que Thomas conta três histórias baseadas em lendas conhecidas. No entanto a adaptação feita pelo autor, revela-nos versões bem divertidas e cheia de duplos sentidos que podem ser interpretadas à luz do contexto social e económico do nosso país. 

A “Lenda do Punhal” fala-nos de um pescador que certo dia, na sua faina piscatória, vê no meio das águas um punhal reluzente e brilhante. Ambicioso, tenta apoderar-se do mesmo, pensando, unicamente, no valor que ele poderá ter no mercado. A partir daí um conjunto de peripécias sucedem-se até ao final completamente inesperado para o próprio pescador.

“O Cavaleiro Justo” é uma história baseada na Lenda de S. Martinho, e fala-nos de um certo homem sem abrigo que sonha em ser rico. Tudo faz para atingir o seu objectivo, desde trabalhar, roubar ou mesmo reinar, mas nada vale e termina como começou, apenas com mais a metade de uma capa.

“O Pastor e as três filhas” , inspirado na lenda de S.Nicolau, conta as aventuras e desventuras de um pastor pobre, que ao ver a sua filha mais nova apaixonado por um rico mercador, pretende arranjar dinheiro para o seu dote.

No final do livro somos presenteados com um caderno de apontamentos, onde podemos "expor as nossas reflexões e opiniões acerca do que lemos e retivemos em cada história.

Todas as histórias são divertidas e proporcionam-nos um bom momento. A eterna ambição humana pelo valor do dinheiro e do poder é aqui apresentada como uma caricatura desenvolvida com mestria.

Uma leitura muito divertida que recomendo sem qualquer dúvida.

É possível obter o livro através do seguinte endereço electrónico:


O Último Conto de Rodolfo Castro





“Ninguém se lembrava do dia em que Jacinto havia contado o seu primeiro conto debaixo da árvore. No bairro, dizia-se que sempre estivera ali. Alguns anciãos afirmavam que apenas os contos eram anteriores a ele. E havia ainda quem afirmasse que a árvore, as casas e tudo o resto só existiam porque Jacinto os narrava. Todos acreditavam que os seus contos seriam escutados para sempre…”







“O Último Conto” é o mais recente livro de Rodolfo Castro editado em Portugal. Foi apresentado no passado dia 30 de Novembro na Gatafunho, loja de livros , numa sessão de contos em que Rodolfo apelidou de O último serão de contos de 2013.

O trabalho entre o escritor e o ilustrador mexicano Enrique Torralba, foi muito bem conseguido, pois o livro é magnificamente ilustrado, com imagens de página inteira que marcam significativamente a história. Poder-se-á dizer que elas são parte integrante da história, complementando-a, dando-lhe vida e enchendo-a de sentimentos.

“Jacinto era um bom contador de histórias. A sua voz equilibrava-se entre a serenidade e a fúria.”

Rodolfo Castro apresenta-nos Jacinto, um contador de histórias que era a vida e força da cidade, que sempre existira ali, debaixo de uma árvore. 

Todos escutavam as suas palavras, minutos cheios de fantasia a que ninguém conseguia resistir… e pensavam que a sua voz, as suas histórias durariam para sempre… até que chega um dia em que o silêncio envolve a cidade, um silêncio tão denso que nada nem ninguém consegue reagir.

Só após um estrondo do avião, e com o passar do tempo,  é que tudo vai regressando à normalidade, até que junto à velha árvore, onde Jacinto contava as histórias, algo acontece…

Um livro lindo que vale muito a pena ler uma, duas ou mais vezes.

Mais uma excelente aposta da Editora GATAfunho.



Rudolfo Castro é argentino e vive actualmente em Portugal. É um contador de histórias, formador e escritor entre muitos outros ofícios. Como ele próprio diz é:

“Professor de ensino básico, futebolista insucesso, actor constante, pedreiro e carteiro, vendedor ambulante, escritor e leitor, assobiador e migrante, curioso, melancólico e contador de histórias. Nasci e cresci em Buenos Aires, formei-me no México, hoje vivo em Lisboa, Portugal.http://www.rodolfocastro.com/


sábado, 28 de dezembro de 2013

Selma de Jutta Bauer


Sinopse

O formato é pequeno, delicado, assim como as ilustrações da autora Jutta Bauer. Mas a questão que permeia a obra é densa - 'O que é felicidade?'. Selma traz a resposta. A rotina da ovelha Selma é aparentemente comum - comer grama, ensinar as crianças a falar, praticar um pouco de esporte, conversar com a vizinha, dormir profundamente. A diferença está na satisfação com que ela realiza essas atividades - Selma vê beleza nas coisas mais simples e cotidianas. Ela aprecia a vida em sua essência. Com frases curtas e diretas, dá o seu recado não somente aos pequenos. Best-seller da alemã Jutta Bauer, 'Selma' já foi lançado em mais de dez idiomas e ultrapassou a marca de 400 mil exemplares vendidos. A autora manuscreveu o livro em português, assim como as versões em inglês, japonês, hebraico e outras publicadas pelo mundo. Na Alemanha, a ovelha é protagonista de um desenho animado na TV



Este pequeno livro apresenta-nos a Selma e uma questão que nos preocupa a todos: “O que é a felicidade?”

Selma é uma ovelha igual a tantas outras, ensina e conversa com os seus filhos, pratica desporto, conversa com a vizinha, come erva e dorme profundamente.



Se ganhasse a lotaria e passasse a ser uma ovelha extremamente rica, o que mudaria na sua vida? 

Ela apenas conversaria mais com os seus filhos, praticaria mais desporto, comeria mais erva e dormiria mais profundamente e claro conversaria muito mais com a sua vizinha.

Ela só quer feliz, e a felicidade está mesmo ali, desfrutando totalmente todas as coisas que estão a seu lado, nada mais importa. A vida tranquila feliz que sua pacata vida lhe proporciona é a felicidade. Para quê ter mais, se isso é suficiente?


Este pequeno livro, leva-nos a questionar o que de facto procuramos quando queremos ser felizes. 

O que é a felicidade?

Selma ensina-nos a valorizar as coisas simples da vida e que nos rodeiam diariamente. 

A vida é simples e por vezes somos nós que querendo demais acabamos por nunca ser felizes.

As ilustrações criam uma imagem afectiva que nos prende e liga a esta ovelha sábia, levando-nos a ler uma e mais outra vez este livro.

Um livro excelente editado pela editora GATAfunho 

Para onde vão os guarda-chuvas de Afonso Cruz

“Fazal Elahi não erraria na sua premonição, o universo gosta de equilíbrios completamente desequilibrados, é feito de opostos de mãos dadas, um homem enorme a segurar a mão de uma menina pequenina.”

Sinopse:
“A minha mãe, Sr. Elahi, interrogava-se para onde vão os guarda-chuvas. Sempre que ela saía à rua, perdia um. E durante toda a sua vida nunca encontrou nenhum. Para onde iriam os guarda-chuvas? Eu ouvia-a interrogar-se tantas vezes que aquele mistério, tão insondável, teria de ser explicado. Quando era jovem, pensei que haveria um país, talvez um monte sagrado, para onde iam os guarda-chuvas todos. E os pares perdidos de meias e luvas. E a nossa infância e os nossos antepassados. E também os brinquedos de lata com que brincávamos. E os nossos amigos que desapareceram debaixo das bombas. Haveriam de estar todos num país distante, cheio de objectos perdidos. Então, nessa altura da minha vida, era ainda um adolescente, decidi ser padre. Precisava de saber para onde vão os guarda-chuvas.
- E já sabe? - perguntou Fazal Elahi.
- Não faço a mais pequena ideia, mas tenho fé de encontrar um dia a minha mãe, cheia de guarda-chuvas à sua volta.”

O pano de fundo deste romance é um Oriente efabulado, baseado no que pensamos ter sido o seu passado e acreditamos ser o seu presente, com tudo o que esse Oriente tem de mágico, de diferente e de perverso. Conta a história de um homem que ambiciona ser invisível, de uma criança que gostaria de voar como um avião, de uma mulher que quer casar com um homem de olhos azuis, de um poeta profundamente mudo, de um general russo que é uma espécie de galo de luta, de uma mulher cujos cabelos fogem de uma gaiola, de um indiano apaixonado e de um rapaz que tem o universo inteiro dentro da boca. Um magnifico romance que abre com uma história ilustrada para crianças que já não acreditam no Pai Natal e se desdobra numa sublime tapeçaria de vidas, tecida com os fios e as cores das coisas que encontramos, perdemos e esperamos reencontrar.


Afonso Cruz já me habituou a esperar muito em cada vez que pego num livro dele. A sua escrita é fantasticamente simples e melodiosamente atraente. 

Este livro conta-nos a história de Elahi, um comerciante de tapetes, e das pessoas que vivem com ele, Bibi a sua esposa que andava com os cabelos soltos como pássaros, o filho Salim, o seu primo Badini poeta mudo, a irmã Aminah e Isa.

Desde as primeiras folhas, somos atraídos, quais abelhas pelo néctar das flores, pelas suas palavras, pelas personagens, pelas histórias e sobretudo pela sua filosofia de vida que docemente surge nos diálogos, nas descrições e em todos os sentimentos transpostos nos seus livros.

“Para onde vão os guarda-chuvas” é mais um exemplo notável do seu trabalho. Depois de uma primeira “História de Natal para crianças que já não acreditam no Pai Natal” (sobre a qual não vou comentar nada, porque as imagens são sarcasticamente marcantes) entramos num mundo oriental marcado por preconceitos sociais e religiosos, onde a história de Elahi, comerciante de tapetes, se vai tecendo ponto a ponto “tudo ligado como se fosse um tapete, o primeiro ponto não está separado do último, e se alguém mexer num deles mexe inevitavelmente nos outros.” 

Vamos caminhando lado a lado com as personagens, vamos entrando nas suas vidas e vamos sentido a dor, a mágoa, a tristeza (porque o livro está inundado de tristeza e de solidão) e quando termina ficamos sem saber verdadeiramente como reagir. 

“E Elahi perguntava-se como seria possível que a tradução daquilo que se passava dentro dele fossem apenas umas quantas lágrimas. Que coisa tão mal feita, pensava. Com tanto sofrimento, com licença, deveríamos chorar estrelas, para mostrar como tudo o resto é pequenino comparado com tudo o que nos dói.”

Somos todas peças de xadrez na vida real, ou na história de Elahi, e como num jogo há vitoriosos e derrotados, nem sempre a justiça prevalece, nem sempre vence o melhor e as reacções às consequências destes factos são por vezes terrivelmente desastrosas para os peões do jogo.

A violência encontra expressão em algumas personagens, em alguns acontecimentos e sob algumas formas que marcam a história de um oriente muito mais real que a nossa imaginação pode alcançar. O perdão em Elahi é uma constante, ele sofre e perdoa, esquece e sofre novamente, perdoando e procurando alcançar uma resposta para a sua revolta , nunca deixando de se questionar sobre o “equilíbrio absurdamente/moralmente/esteticamente desequilibrado” existente no mundo.

A angústia que nos torna o coração bem apertado, está patente do início ao fim deste livro. Somos pequenos face a uma sociedade em que os poderosos são os vitoriosos, nada podemos fazer contra eles, apenas deixar que a vida corra, apenas guardar dentro de nós a dor e a solidão.

“Somos mais pesados quando fechamos os olhos. Isso acontece porque o nosso mundo interior é maior do que exterior, pensava Fazal Elahi. A nossa dor não existe fora de nós, o mundo não suportaria esse peso, seria impossível, imagine-se a dor de todos os homens a existir no mundo exterior. Seria uma calamidade e não haveria gravidade capaz de fazer os planetas andar à volta das estrelas. Nós somos muito mais pesados do que o universo que nos rodeia. Temos a dor.”

Um excelente livro que recomendo, deixando-nos a pensar em que mundo realmente vivemos!



domingo, 24 de novembro de 2013

Em Busca do Carneiro Selvagem de Haruki Murakami


Sinopse:


"Ambientado numa atmosfera japonesa, mas com um pé no noir americano, Murakami tece uma história detectivesca onde a realidade é palpável, dura e fria, e seria a verdade de qualquer um, não fosse um leve pormenor: é uma realidade absolutamente fantástica. Um publicitário divorciado, que tem um caso com uma rapariga de orelhas fascinantes, vê-se envolvido, graças a uma fotografia publicitária, numa trama inesperada: alguém quer que ele encontre um carneiro! Mas não é um carneiro qualquer. É um animal que pode mudar o rumo da história. Um carneiro sobrenatural… 
Murakami dá a esta estranha história um tom que só um oriental pode imprimir a uma crença, fazendo-a figurar como um facto da realidade. Coloca, de uma forma genial, a fantasia na aridez do mundo real."


Este foi o terceiro livro de Haruki Murakami que li. Segundo algumas das criticas um dos mais fracos do autor. Na minha opinião, não causou tanto impacto como os anteriores (Suptnik, meu amor e Kafka á beira-mar) é verdade, mas de todos foi aquele que me deixou mais pensativa.

O livro é uma procura do princípio ao fim e que culmina, como todos os livros do autor, de uma forma surpreendente, que pelas razões obvias não poderei revelar. Tem a mesma escrita doce que me cativa, as personagens fantásticas e misteriosas, o gato que não podia faltar, o bar, a música e a magia própria de Murakami que vai surgindo nos diálogos, no percurso do narrador e nos acontecimentos estranhos, sobretudo na parte final do livro.

Como já referi anteriormente, este livro deixou-me a pensar na vida, na ambição pelo poder e o que este pode influenciar o ser humano. De facto de que forma é que o poder pode alterar por completo o ser humano, de forma a que este passe os dias da vida à sua procura e viva obcecado por isso. Quando se obtém esse poder sobre os outros e sobre a vida as transformações podem ser enormes e este individuo pode tornar-se irreconhecível, sendo que, quando se perde, este poder deixa um rasto amargo que provoca uma destruição aos poucos do que resta do ser humano. 

Somos seres humanos e cada um de nós é especial, na nossa maneira de ser, naquilo que queremos da vida, nas nossas recordações e amizades. Há algo que nos une e que prevalece nas amizades que criamos. Haruki marca este facto muito claramente neste livro, a amizade é algo muito forte que prevalece acima de tudo, até mesmo para lá da morte e é ela que acaba por vencer. 

O que me fascina neste autor é de facto de ele ser tão humano, ele joga de uma forma magistral com os sentimentos humanos, aqueles com que nos deparamos na nossa vida. Ele pega nestes sentimentos e através de imagens e situações fantásticas, acaba por nos envolver por completo.

Não sei se outras pessoas entenderão este livro da mesma forma que eu o senti. Mas deixo-vos a minha opinião, com uma certeza inabalável, para mim, este escritor, foi a grande revelação de 2012. Felizmente já tenho mais livros dele para ler!

Edição/reimpressão: 2007
Páginas: 374
Editor: Casa das Letras
ISBN: 9789724617152

domingo, 17 de novembro de 2013

Auto-retrato do escritor enquanto corredor de fundo de Haruki Murakami


Sinopse

Em 1982, ao mesmo tempo que abandonava o lugar à frente dos destinos do clube de jazz e que tomava a decisão de se dedicar à escrita, Haruki Murakami começava a correr. No ano seguinte, abalançou-se a percorrer sozinho o trajecto que separa Atenas da cidade de Maratona. 
Depois de participar em dezenas de provas de longa distância e em triatlos, o romancista reflecte neste livro sobre o que significa para ele correr e como a corrida se reflectiu na sua maneira de escrever. Os treinos diários, a sua paixão pela música, a consciência da passagem do tempo (lembram-se desse poema urbano chamado Afterdark – Os Passageiros da Noite?), os lugares por onde viaja acompanham-no ao longo de um relato em que escrever e correr se traduzem numa forma de estar na vida.
Diário, ensaio autobiográfico, elogio da corrida, de tudo um pouco podemos encontrar aqui. Haruki Murakami abre o livro das confidências (e a sua alma) e dá a ler aos seus fiéis leitores uma meditação luminosa sobre esse ser bípede em permanente busca de verdade que é o homem.


Tenho a certeza de que já referi por várias vezes que Haruki Murakami caminha claramente para se tornar num dos meus escritores favoritos. Sem querer repetir-me sucessivamente, o certo é que a cada livro que leio deste autor, mais este facto se acentua. 

Neste livro, autobiográfico , Murakami revela-se perante os seus leitores. No seu estilo muito próprio ele descreve-nos as razões que o levaram, a partir de 1982, a tornar-se um corredor de fundo e começar a correr sistematicamente uma hora por dia, (em média 10km /dia, 60 Km/semana, 260km/mês). Participa numa maratona por ano, em vários locais pelo mundo, e mais tarde tornou-se adepto do triatlo.

O que é para ele a corrida? O que pensa enquanto corre? São algumas das questões que lhe colocam e sobre as quais ele reflecte e partilha com os seus leitores.

“Vendo bem, em que penso eu, exactamente, enquanto corro? Para dizer a verdade, não tenho a mínima ideia.
Corro, só isso. Corro no vazio. Dito de outro modo: corro para atingir o vazio. No entanto, há sempre um pensamento ou outro que acaba por se introduzir nesse vazio. O espírito humano não pode ser um vazio completo. As emoções dos homens não se revelam suficientemente fortes ou consistentes, ao ponto de albergarem o vazio. Quero com isto dizer que os pensamentos e ideias que invadem o meu espírito enquanto corro permanecem subordinados a esse espaço oco. Na medida em que lhes falta conteúdo, mais não são do que pensamentos ao correr da pena que têm como eixo a natureza do próprio vazio.

As coisas que me vêm à cabeça enquanto corro são como nuvens no céu. Nuvens das mais diferentes formas e de diferentes tamanhos, que vão e vêm enquanto o céu permanece o mesmo de sempre. As nuvens não passam de convidados. Aproximam-se a passo, para depois se afastarem e desaparecerem no horizonte. Fica apenas o céu. Existe, ao mesmo tempo que não existe, o céu. Tem substância e ao mesmo tempo não tem. E nós limitamo-nos a aceitar a existência desse recipiente incomensurável tal como ele é e deixamo-nos envolver por ele.
….
Enquanto corro, vou dizendo a mim mesmo para pensar num rio. Pensa nas nuvens, digo. Mas no fundo não estou a pensar em nada de concreto. Continuo, pura e simplesmente, a correr nesse confortável vazio que me é tão familiar, no interior do meu nostálgico silêncio. E isso é qualquer coisa de profundamente maravilhoso. Digam o que disserem.”

Paralelamente às suas descrições e dissertações sobre a corrida, Murakami numa linguagem muito directa, vai divagando sem rodeios. Fala-nos na sua vida, nas suas opções enquanto ser humano, como e porquê começou a escrever e como a escrita se tornou fundamental para a sua vida, dos seus sentimentos, da sua maneira de ser e de pensar e de que forma as suas atitudes afectam os seus romances.

Página a página, num ritmo sempre cativante, o leitor vai conhecendo um pouco mais do homem que está por detrás do escritor. O que sente enquanto corre, o que sente quando escreve e o que sente enquanto pessoa.

“Vejo este livro como uma espécie de memórias. Seria exagerado dizer que se trata das minhas memórias pessoais, mas, ao mesmo tempo, também não posso, em boa verdade, colar o rótulo de ensaio. Volto a repetir o que escrevi no prólogo. Através do acto da escrita, tive a intenção de ordenar os meus pensamentos, à minha maneira, e descobrir de que forma vivi durante os últimos vinte e cinco anos, como escritor e como ser humano igual aos outros. Quando se discute os critérios que estabelecem até que ponto o romancista se deve cingir ao romance e quanto deverá revelar da sua verdadeira voz, as opiniões variam de individuo para individuo, não podemos cair em generalizações. Ao escrever este livro, tinha esperança de ser capaz de descobrir qual é, no meu caso, esse padrão. Não tenho confiança suficiente para dizer se fiz (ou não) um bom trabalho, mas, assim que acabei de o escrever, posso dizer-vos que soube o que era libertar-me do peso que carregara aos ombros durante bastante tempo. “

Um livro diferente, mas muito bom. Um conjunto de opiniões sobre a importância da escrita e conselhos a quem procura ingressar nesta tarefa árdua e emocionante que é criar uma história e deixá-la correr pelo papel como um rio que corre pelas montanhas até desaguar no mar.

sábado, 9 de novembro de 2013

Abençoa-me, Ultima de Rudolfo Anaya

Sinopse

“Nesta obra-prima da Literatura Mexicana-Americana surge-nos Ultima, La Grande, uma bruxa velha e sábia, cheia de segredos, que ajuda o pequeno Antonio a encontrar a sua identidade pessoal e étnica. 

Ultima ensina-lhe que as perguntas mais difíceis sobre a vida podem nunca ser respondidas por uma única religião ou por uma tradição cultural. As questões que Antonio coloca sobre o mal, o perdão, a verdade, a alma penas por ele poderão ser respondidas. Somente a combinação das águas dos dois rios (a religião Católica e os mitos e tradições indígenas) fará Antonio encontrar a sua identidade chicana. Por isso, num gesto simples, mas cheio de significado, Ultima oferece a Antonio o seu escapulário. Nele não há qualquer imagem da Virgem ou de um Jesus crucificado mas um grupo de pequenas plantas medicinais. Simbolicamente, Ultima transmite o seu conhecimento da terra a Antonio.

Ele entende que é essencial escutar as revelações da natureza, sentir o poder que emerge das planícies, acordar as maravilhas da criação e unidade universal. A aceitação das suas heranças conduzirá Antonio ao equilíbrio cultural, condição essencial para a formação da sua identidade. O segredo está em reunir o llano e o vale do rio, a lua e o mar, Deus e a carpa dourada e fazer algo novo. Finalmente Antonio compreende que nada é verdadeiramente irreconciliável e move-se de uma visão polarizada da realidade para o reconhecimento da unidade dos opostos, da harmonia do homem com a natureza.”

Este livro é o romance estreia do autor, que a Editora Nova Veja oferece ao público português. Faz parte de uma trilogia completada por Heart of Aztlan e Tortuga, que ainda não se encontram traduzidas para a língua nacional.

Como é referido na sinopse, este livro conta-nos a história de António “Tony” Marez, um garoto chicano que viveu nos anos 40 na zona de Santa Rosa, uma cidade localizada no estado americano do Novo México, no Condado de Guadalupe. 

Ele encontra-se dividido entre dois meios culturais que não compreende muito bem. A nova cultura norte-americana, (com a sua religião protestante, moderna) e a cultura transmitida pelos seus pais mexicanos (religião católica, conservadora). No entanto no meio desta divergência, surge Ultima, La Grande a tradicional feiticeira mexicana, velha, cheia de segredos, acompanhada de um mocho estranho, que lhe vai transmitir todo o conhecimento e linguagem da terra.

Um livro cheio de misturas étnicas, folclore indígena e deliciosas paisagens, marcado pelo choque de culturas, mas com uma linguagem muito acessível que nos transporta para um mundo mágico, onde a ligação do homem à natureza acaba por prevalecer. 

Espero, ansiosamente, que a editora Nova Veja traduza para a língua nacional os restantes livros desta trilogia.

Em resumo um livro diferente, marcante e muito bom, que nos transporta para um universo mágico do espírito humano e animal, da natureza das paisagens áridas do grande llano, do espaço e culturas de um povo simples marcado pela era da globalização.

Um livro do qual gostei bastante e recomendo a quem se interessar por este tema. 

Descobri, recentemente, que saiu  um filme baseado neste livro:



domingo, 3 de novembro de 2013

O Livro do Novo Sol de Gene Wolfe




Ao começar a ler os livros que compõem “O Livro do Novo Sol”, fiquei com uma dúvida que se prende com esta tarefa de tecer um comentário aos mesmos. Iria comentar em separado, isto é livro a livro ou faria um comentário no final? Optei, como já repararam, pela segunda opção e não me arrependo, uma vez que na minha opinião os livros são um só.

No entanto torna-se importante fazer uma síntese inicial para explicar quais os livros que compõem esta magnifica saga.

“O Livro do Novo Sol” é composto por cinco volumes, sendo que inicialmente eram apenas quatro. Alguns comentadores referem que o quinto volume, editado mais tarde, não fará parte de “O Livro do Novo Sol” ao contrário de outras opiniões. Para mim faz todo o sentido que esteja englobado no seu conjunto, pelo que o tratarei como tal.

Para ficarem com uma pequeníssima ideia apresento as sinopses respectivas:


1 - A Sombra do Torturador


A Sombra do Torturador é um excelente livro de ficção científica extremamente enriquecido pelo recurso a figuras e estilos literários próprios de grandes autores clássicos de literatura. A história de um jovem torturador, pertencente a uma organização que está encarregue de torturar pessoas que lhe são enviadas, num tempo tão longínquo do nosso, onde o sol já está a morrer e a precisar de ser substituído por um novo sol. Existem imensas passagens extremamente ricas e a fazer lembrar outros autores, como por exemplo uma cena de cemitério ao estilo de Dickens, uma máquina de tortura Kafkiana, uma mágica biblioteca do universo de Borges. A ficção científica mistura-se com a fantasia, ambos se misturam com tiradas filosóficas e existencialistas.



2 - A Garra do Conciliador


Severian tem em sua posse uma pedra preciosa, que se crê ser "a garra do conciliador", poderosa relíquia do Mestre do Poder, uma figura lendária de proporções míticas. Com a Espada e a Garra como armas, Severian prossegue a sua viagem para Thrax, a cidade do exilio. No caminho encontra maravilhas como as criaturas simiescas, de corpos irradiantes e peludos e inteligência humana no olhar, que combatem Severian com um ardor e forças tais que é forçoso que o matem; como o bizarro ritual canibalistico que infunde em Severian as memórias e pensamentos de Thecla, a sua amada morta; como a sala de superfícies semelhantes a espelhos, na qual desaparece Jonas, o companheiro de Severian; e como a perturbadora Fonte Vática, à qual Severian atira uma oferenda a fim de conhecer o seu destino.



3 - A Espada do Lictor

Severian, exilado pelo "pecado" da misericórdia, chegou já à Thrax, a Cidade sem Janelas, para onde havia sido enviado como lictor. Mas coisas perturbadoras começaram a acontecer. Severian é perseguido por uma fera mortífera e dirige-se para as montanhas depois de ter sobrevivido a um novo encontro com Agia. Prossegue a fuga acompanhado por um rapazinho, cujos pais tinham sucumbido ao ataque de um alzabo. Mais adiante penetram numa enorme cidade deserta, onde Severian mata um velho inimigo do Conciliador, satisfazendo assim uma velha dívida de vingança daquele que está na origem da sua arma secreta: a garra.
Mas na batalha final, Severian perde o controlo do corpo e vagueia sem consciência, pelo seu próprio e ainda imprevisível futuro.


4 - A Cidadela do Autarca



Severian viaja pelas terras de Urth e é empurrado para o norte por personagens estranhas e terríveis: salamandras, criaturas de luz, nótulos. E, no fim, espera-o o destino supremo que não pode recusar, já que o futuro de Urth depende do regresso do Conciliador, o Novo Sol, há tanto desejado.





5 – Urth do Novo Sol

Severian, agora autarca de Urth, parte a bordo de uma nave do alienígena Hierodules para empreender uma viagem através do espaço e do tempo e enfrentar o supremo desafio: tornar-se no legendário Novo Sol ou morrer.





O Livro do Novo Sol conta-nos a história de Severian, habitante de um mundo a que o autor apelidou de Urth (provavelmente uma distorção de Earth, a Terra). Escrito pelo “seu” próprio punho, Severian leva-nos a empreender uma viagem desde a sua infância, um aprendiz de torturador, até ao seu derradeiro final.

Uma viagem que passa pelo conhecimento do seu mundo e consequentemente pela história do seu próprio planeta. É também, na minha opinião, uma viagem pessoal, à sua voz interior ou às mil vozes que o compõem. Quem é este homem, dono de uma memória infalível, como ele próprio tantas vezes afirma, é a questão que colocamos desde o início até ao fim de cada livro.

Com o desenrolar da história de livro para livro, a narrativa torna-se mais complexa e mais elaborada. As viagens no tempo surgem juntamente com estranhos seres do futuro e alienígenas.

No quinto livro, Severian é confrontado num julgamento do qual depende a vida do seu planeta.

Severian vai desenvolvendo a sua personagem à medida que a sua viagem progride, ele vai aprendendo a cada passo que dá nesse mundo misterioso e a cada mistério que resolve. O seu mundo defronta-se com um problema grave: o que acontecerá se o Sol se apagar definitivamente? É com esta dúvida presente que Severian, no meio de personagens densas e tão fortes quanto ele e no meio de um mundo dos mais complexos e criativos que já vi na escrita de FC ou de fantasia, vai crescendo.

É nesta viagem, que acabamos por acompanhar avidamente, que começamos a descobrir o verdadeiro valor de Gene Wolfe. Na pele de Severian, (personagem riquíssima da qual ficamos aprisionados desde o primeiro instante) o escritor vai-nos enfeitiçando com a sua narrativa, transmitindo-nos um mundo de sensações, de impressões quase fotográficas do mundo exterior, de descrições belíssimas, de cores e sons a cada página.

No entanto, a sua escrita, quase poética, cheia de significados e simbolismos, obriga-nos a uma leitura atenta, o que nos coloca face às realidades descritas no tempo e no espaço e aí somos confrontados entre estas e as memórias infalíveis no nosso personagem. Neste ponto não podemos deixar de reparar que nem sempre elas são coincidentes, o que nos leva a pensar: “ qual a verdade? O que de facto aconteceu?” e aí estamos perante a genialidade e as capacidades estilísticas do escritor. O mundo descrito por Severian, será o verdadeiro mundo de Urth? Quem é quem? E quem é o próprio Severian?

Não me quero alongar muito, nem baralhar ainda mais quem lê este meu comentário e não conhece a obra de Gene Wolfe, pois quem a conhece entenderá perfeitamente o que quero dizer.

A sua escrita é bastante complexa, no entanto fascina-me a sua linguagem e a sua interação com o leitor.

Olhando para trás na história, não consigo situar o que aconteceu em cada um dos livros, mas consigo ver uma história linear, no entanto chegando ao fim, as dúvidas levam-me atrás no enredo e voltei a última pagina a pensar: “vou ter que ler tudo outra vez!”.

Muitíssimo bom, excelente mesmo. Uma das melhores sagas que li até hoje.

domingo, 13 de outubro de 2013

The Merchant and the Alchemist's Gate de Ted Chiang




 Breve resumo da história: 

Fuwaad ibn Abbas é um comerciante de tecidos que, num belo dia, procura um presente para um parceiro de negócios, numa zona comercial em Bagdad. Nesta procura descobre uma nova loja com uma variedade de artigos bastante interessantes. Impressionado com a qualidade e características dos artigos expostos Fuwaad conversa com o proprietário, Bashaarat, e descobre que este é o criador de todos os objectos fantásticos expostos na sua loja.

A determinada altura Bashaarat convida-o para ver um aparelho, criado por ele, que se encontra nas traseiras da loja e Fuwaad encontra um aparelho constituído por um arco de pedra negra misteriosa. Este aparelho, segundo o informa o seu autor, permite fazer viagens no tempo, quer ao passado, quer ao futuro. Uma pessoa pode viajar no futuro e conhecer o seu próprio “eu” mais velho. Perante a hesitação de Fuwaad, Bashaarat conta-lhe três histórias de pessoas que já viajaram no futuro através daquela “porta”.

Convencido deste fantástico aparelho, Fuwaad não quer viajar no futuro, mas sim no passado, 20 anos atrás para tentar corrigir um erro que cometeu. Sabendo que o negociante tem um outro portal, que permite viajar no passado, no Cairo, desloca-se de imediato para aquela cidade. 

A minha opinião: 

Este pequeno conto foi a minha estreia com Ted Chiang. E confesso-vos que adorei. As histórias surgem, através do portal do tempo, dentro da história principal em que Fuwaad ibn Abbas é o protagonista. Faz-nos recordar os ambientes das Mil e Uma Noites, mas algo mais futurista, mais ambicioso em termos de ficção.

A escrita é na primeira pessoa, uma vez que tudo começa com o nosso protagonista preso pela guarda do califa e a contar a história que lhe aconteceu, ao próprio califa. Uma escrita extremamente agradável, cativante, e sobretudo muito bem redigida.

As viagens no tempo mostram as personagens mais velhas ou mais novas do que na vida real, mas Chiang soube, com muita mestria, conjugar a possibilidade de alteração dos factos ocorridos em diferentes tempos, com a conservação da capacidade de decisão individual. 

São as pequenas histórias entrelaçadas na história principal, que levam a que, nós leitores, fiquemos a pensar qual o poder, que face a uma possibilidade de nos deslocarmos a um passado ou futuro, poderíamos ter na alteração dos acontecimentos e quais as implicações que essas possíveis alterações poderiam ter em nós. É claro que isto não passa de utopia, mas quantas vezes já pensámos: “Se pudesse voltar atrás, não faria isto ou aquilo da mesma maneira!”

Resta-me dizer que este conto ganhou vários prémios internacionais, nomeadamente foi vencedor do Prêmio Nebula 2007 na categoria novela, vencedor do Hugo Award 2008 na categoria novela, e ficou entre os finalistas para BSFA Award 2007 na categoria ficção curta.

É pena que alguém com tanto talento, não mereça o respeito por uma qualquer editora portuguesa a fim de que as suas obras sejam publicadas na nossa língua. Bem sei que os contos não são dos géneros literários mais lidos em Portugal, mas mesmo assim acho que seria uma excelente aposta.

Quero ainda referir, que será um escritor do qual irão certamente ver mais comentários meus, porque me conquistou seguramente. 

O próximo será “Understand”.


sábado, 21 de setembro de 2013

A Era Dourada de Pedro Cipriano








Sinopse


Uma guerra mundial pelos recursos energéticos mudou a face do planeta, levando a espécie humana perto da extinção. Cinco séculos, depois, a revolução industrial acontece pela segunda vez, fazendo ressurgir os mesmos desafios. Inclui os contos: - A Alvorada - A Escuridão - A Alergia - O Monstro e a Musa - O Fruto Proibido 







Mais uma vez me aventurei numa leitura conjunta. Falo em aventura, não pelos livros escolhidos, mas sim pelos prazos estabelecidos, perfeitamente correctos , mas que esbarram sempre em alguma dificuldade minha.

No entanto é sempre agradável poder ir discutindo o livro que se lê, com outros colegas de leitura, trocar opiniões. O ser humano é uma entidade tão complexa  e tão própria, que as opiniões divergem e nunca são iguais. A minha interpretação é tão somente minha como a de outro é dele e por vezes do cruzamento destas opiniões pode surgir algo valioso para um outro que lê, como para quem escreve.

Estou a divagar…. e afinal só queria comentar o livro do Pedro Cipriano!
Vamos lá …

Esta compilação dos Contos da Era Dourada apresenta-nos cinco contos: A Alvorada, A Escuridão, A Alergia, O Monstro e a Musa e O Fruto Proibido, conforme já referido na sinopse.

Todos eles focam a vida num planeta (infelizmente o nosso) num período apocalíptico do durante e o após de uma 3ª guerra mundial. A energia nuclear é uma constante e de facto a grande causadora do grande flagelo mundial.

De uma forma geral, pode-se verificar que em todos os contos, o autor preocupou-se em demonstrar as várias reacções do homem face ás adversidades de uma guerra nuclear e  perante o desespero de ver o seu mundo desaparecer diante dos seus olhos. Como referi no inicio deste comentário o ser humano é bastante complexo e único, pelo que as reacções são diferentes, chegando mesmo a levar a que cada um repense os seus valores face a um flagelo desta natureza.

Parece-me a mim, pelo menos assim o entendi, que este é o ponto fulcral de todos os contos, a par de todas as questões ligadas ao desenvolvimento sustentável ,  bem como a utilização de energias alternativas face ao esgotamento a que estão sujeitos os nossos recursos naturais.

Um tema bastante actual e que se não nos preocupa, deveria fazê-lo de forma a que repensemos alguns dos nossos hábitos e “filosofias” de vida.

Acontece porém, que o que senti ao ler os vários contos, foi que me soube a pouco. Num tema desta natureza, parece-me que haveria bastante para explorar e os vários contos acabam por ser repetitivos. Abordam as reacções humanas, mas de uma forma derrotista, não é que queira que os contos terminem todos bem, mas cheguei ao fim com a sensação de : Se um dia isto acontecer, e se houver um conjunto de sobreviventes, será que tudo terminará novamente por, desculpem-me a expressão,  “andarem todos á batatada uns aos outros” ou por perderem por completo a esperança.

Gostei da forma simples da escrita, simples e agradável. Apenas alguns erros que se vê serem lapsos de revisão.

Em tempos li um outro conto do Pedro Cipriano que me agradou muitíssimo. Talvez tenha colocada a expectativa  alta, e por isso ter esperado mais destes contos.


Para quem quiser ler e aconselho sempre a que o façam, pois a minha opinião é apenas a minha, podem fazê-lo através do seguinte endereço:


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Contos dos subúrbios de Shaun Tan


Sinopse

Contos dos Subúrbios é uma antologia de 15 contos ilustrados. Cada conto é sobre um estranho evento que ocorre no mundo normal suburbano: a visita de um estudante estrangeiro que é na verdade um extraterrestre, a descoberta de uma criatura marinha no jardim fronteiro de uma casa, um novo quarto recheado de mistérios numa casa de família, uma máquina sinistra instalada num parque ou um búfalo sábio que vive num lote vazio, são alguns dos pormenores incríveis destas histórias que crescem e ganham vida própria numa escrita subtil e em ilustrações deliciosas que leitores de todas as idades irão adorar.



Contos dos Subúrbios foi lançado, em Portugal, pela Contraponto em Abril de 2011. Este livro foi o vencedor do Indie Award, do World Fantasy Award e do melhor livro do Festival de Angoulême.



Como a sinopse já refere, é composto por 15 pequenas histórias que nos envolvem fortemente. São questões aparentemente triviais, do mundo real, mas onde a magia, e o sobrenatural coexistem no dia a dia, transportando-nos para situações verdadeiramente assombrosas.









Como o autor já nos acostumou, as imagens são o resultado de inúmeras técnicas que passam do carvão à tinta, dos lápis de cor ao gesso, passando pela esferográfica, pela aguarela e pelo acrílico, dos recortes e colagens, que no seu conjunto transmitem-nos uma componente visual extremamente forte. A alternância dos grafismos, das formas e dos traços, bem como a utilização das cores ou simplesmente do preto e branco permitem que o leitor se perca nas paisagens retratadas, ou nas pequenas situações do quotidiano.







A imagem é, mais uma vez, a presença forte deste livro. No entanto os textos, numa linguagem simples, completam de uma forma natural e muito bem articulada, toda a “força” que a imagem pretende transmitir aos leitores. É a conjugação entre texto e imagem, que faz com que nos identifiquemos com estes pequenos locais comuns, onde decorrem as várias acções e que, paralelamente nos deixemos envolver pela magia que surge escondida entre as coisas aparentemente mais normais.




O resultado são histórias fascinantes que nos deliciam, que nos deixam um sorriso nos lábios ou uma emoção profunda.


Para finalizar esta semana dedicada a Shaun Tan, resta-me ter a esperança de que vos tenha incentivado a conhecer a obra deste fantástico ilustrador / escritor para o qual o principal desafio dos seus livros é "aprender a olhar".
Espero pois que "olhem" para o mundo e vejam tanta coisa bela, que nos passa, por vezes, completamente desapercebida. 
Até à próxima .... 



 “Para mim, o ideal é ter a capacidade de olhar para as coisas como uma criança, mas com a sabedoria de um adulto. Conseguir atingir isso é chegar a um estado perfeito de iluminação.”
Shaun Tan 


sábado, 7 de setembro de 2013

A Árvore Vermelha de Shaun Tan







"Quem já não acordou algum dia

com a certeza de que tudo vai mal

e não há nada a fazer?

Quem já não se sentiu

como um peixe fora d'água

em um mundo pra lá de estranho?"









A Árvore Vermelha é um livro que se encontra classificado como sendo um livro para crianças. No entanto é um livro bastante diferente do contexto que os livros infantis, na sua maioria, transmitem aos nossos pequenos leitores. Quase todos eles, não passam sem uma “lição pedagógica”, ou sem uma “moral da história” , ou mesmo sem as ideias preconcebidas e estipuladas daquilo que os livros de criança devem conter.







Shaun Tan não se preocupou com estas “teorias”. Todos os seus livros acabam por ser englobados nesta classificação, mas o autor preocupa-se mais em transmitir sentimentos. 

Sentimentos que passam por uma melancolia, uma tristeza de que algo não está bem, ou de que nos falta alguma coisa, ao mesmo tempo que a esperança surge de uma forma ténue e que vai crescendo suavemente ao longo dos livros. Se queremos que os nossos jovens leitores sejam pessoas saudáveis e emocionalmente estáveis, então eles devem desde cedo ter contacto com estes sentimentos, estas realidades disfarçadas em histórias e poesia.




A Árvore Vermelha é uma poesia em grande formato. As imagens grandes e extremamente marcantes acentuam as poucas palavras que existem em cada página. O mundo surge triste e agonizante, no qual a protagonista se sente perdida, desanimada e só, mas que de repente ela descobre, mesmo ali á sua frente, um sinal, uma pequena luz, a esperança de que precisa para vencer todo o desânimo e toda a tristeza.





Quantos de nós, adultos não nos sentimos assim, em certos (ou muitos) dias….

"Por vezes, o dia começa sem expectativas e as coisas vão de mal a pior. A tristeza apodera-se de ti, ninguém te compreende





O mundo é uma máquina insensível sem lógica nem sentido

Por vezes tu esperas, e esperas, e esperas, e esperas, e esperas, e esperas, e esperas mas nada acontece… "







Neste livro, Shaun Tan explora outras técnicas, as imagens a óleo e colagens, são grandes, marcantes (como já referi anteriormente, peço desculpa pela repetição, mas esta é propositada), intensas, cujo objectivo é causar impacto. O texto é simples e sem pontuações, mas poético, explorando as emoções que transpiram nas imagens.









É um excelente livro, que a todos, crianças e adultos, permite descobrir o valor da solidão, da incompreensão, onde tudo se “agiganta”, mas que ao mesmo tempo nos ensina a acreditar na importância da esperança.




quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A coisa perdida de Shaun Tan





"Então, querem ouvir uma história?
Bem, eu dantes sabia algumas muito interessantes. Umas eram tão divertidas que vos fariam rir a bandeiras despregadas, outras tão terríveis que não iriam querer repeti-las a ninguém.
Mas não me lembro de nenhuma dessas.
Por isso só vos vou contar uma, a daquela vez em que encontrei a coisa perdida…"






Seguindo a ordem, dos livros que fui conhecendo, nesta semana dedicada a Shaun Tan segue-se a “A coisa perdida” publicada em Portugal pela Kalandraka em 2012. 

No original, “The lost thing”, foi publicado em 1999 e inspirou Shaun Tan a realizar uma curta metragem, que recebeu, em 2011, o Óscar de Melhor Curta Metragem de Animação.




A história é-nos narrada na primeira pessoa, pelo próprio protagonista, um jovem coleccionador de caricas, que em tempos distantes passeava pela praia e que pela primeira vez vê a coisa. Uma marca na paisagem da praia, um corpo grande revestido por uma armadura de uma metal desconhecido, com portas e gavetas, uma chaminé lateral, uma tampa no cimo tipo cafeteira, diversos suportes, pernas e sininhos. 

Algo completamente dissonante, estranho e que não se parece com nada conhecido. No entanto, mesmo tendo em conta a sua dimensão, ninguém lhe presta atenção, é como se não existisse. E é essa noção da indiferença que causa ás pessoas que passam por ela que faz com que se sinta triste.






O rapaz que sente pena desta enorme coisa, aproxima-se e estabelece uma relação com ela. Simpatizam um com o outro e ele tenta arranjar um lugar, onde ela pertença, onde se sinta bem.





São as imagens que nos contam a história, enquanto as palavras apenas comentam os factos. Mais uma vez Shaun Tan opta pela apresentação de imagens diversificadas que passam pelas sequências curtas com diálogos entre as personagens, como o típico desenho da banda desenhada, às paginas cheias só com uma imagem, ou sobrepostas como se de colagens se tratasse. 



A história é simples mas desenrola-se diante dos nossos olhos carregada de ternura e melancolia, numa linguagem desenhada e subtil. O problema da exclusão por ser diferente, a indiferença perante os outros na vida quotidiana e a amizade são temas que aqui se encontram bem retratados, numa sociedade cinzenta e estéril, povoada de gente apática.




Duas figuras solitárias que se unem em busca de uma causa (um lugar para a coisa) e sobre a qual nada sabemos, mas que terminado o livro, nada ficamos a saber.








Um livro magnificamente ilustrado que não descura qualquer pormenor, desde a fantástica colecção de caricas nas guardas da capa, aos fundos das páginas de cor sépia que imitam folhas de antigos manuais técnicos de física e álgebra sobre as quais se conta a história. O mundo é retratado com cores sem vida, cinzentos, beges e cor de ferrugem.







Sendo um livro para crianças, coloca-nos, a nós adultos, a pensar neste futuro próximo, onde a tecnologia e a industrialização nos podem levar a agir apaticamente, sem vermos o que nos rodeia, nem darmos importância a qualquer “coisa” que surja no nosso caminho.



“De vez em quando ainda penso naquela coisa perdida. Sobretudo quando vejo pelo canto do olho algo que não encaixa.
Sabem, algo com um aspecto tipo estranho, triste, perdido.
No entanto, ultimamente vejo cada vez menos esse género de coisa.
Talvez já não haja por aí muitas coisas perdidas.
Ou talvez eu tenha apenas deixado de reparar nelas.
Demasiado ocupado a fazer outras coisas, se calhar.”





O video que ganhou o Óscar de  Melhor Curta Metragem de Animação em 2011 (legendado em brasileiro):




quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Emigrantes de Shaun Tan



Decidi começar os meus comentários sobre a obra de Shaun Tan, pelo livro, no original The Arrival, porque foi aquele que me apresentou a Shaun Tan. 

 Editado em 2006, The Arrival foi vencedor do Prémio da Melhor Banda Desenhada no Festival de Angoulême de 2007.

Em Portugal saiu pelas mãos da Kalandraka, em 2011, com o título de “Emigrantes”.

De capa castanha, imitando um álbum de fotografias antigo, que nos obriga a repensar o tempo presente, deparamo-nos com 128 páginas a sépia,  que nos transportam para um mundo mágico. 




Uma história sem palavras, paginas cheias de imagens, espectacularmente desenhadas a grafite e detalhadamente trabalhadas, que nos contam a vida de quem deixa a sua terra para procurar uma nova vida em outro lugar, deixando para trás a família, os amigos, e todos os anos da sua existência. 








Como tantos portugueses, outrora fizeram (e agora cada vez mais novamente) o personagem principal desta história, caminha à descoberta de uma cultura diferente. 












É fácil identificarmos, nas imagens, (o adulto) ligações a realidades passadas, como a chegada, de barco, dos emigrantes europeus a Nova Iorque, a perseguição dos nazis aos judeus na Europa.








Classificado como um livro infantil, pode, na minha opinião, ser “lido” sob vários níveis. Como todas as obras de Shaun Tan, também esta é melancólica, mas que nos toca de uma maneira diferente, consoante a nossa vivência ou idade. 







As imagens alternadas, quer em tamanho quer em pormenores, também contribuem para a criação de ritmos diferentes de leitura e de percepção.










O desenho, é a “palavra-chave” nesta belíssima crónica. Shaun conta-nos a história através das suas imagens fantásticas, criando um elo de comunicação connosco ao mesmo tempo que cria o desenho para que o seu protagonista possa comunicar com os habitantes desse novo país (cuja língua é diferente da dele).








Os desenhos de Shaun Tan são intensos, fugindo à realidade pela sua estranheza, mas que, por essa mesma razão transmitem-nos as emoções profundas e os medos que o desconhecido e a solidão provocam no ser humano. 



Um livro para nos sentarmos junto das crianças e com elas percorrer as páginas, perdendo-nos em cada pormenor, em cada detalhe, em cada fantasia…



Um livro para ler e pensar…




Um livro para deslizar o nosso olhar pelas maravilhosas imagens de Shaun Tan, uma vez... e outra....e outra....