terça-feira, 7 de abril de 2015

As Cidades Invísíveis de Italo Calvino



- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco .
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.
 


«As Cidades Invisíveis apresenta-se como uma série de relatos de viagem que Marco Polo faz a Kublai Kan, imperador dos tártaros. [...] A este imperador melancólico, que percebeu que o seu poder ilimitado conta pouco num mundo que caminha em direção à ruína, um viajante visionário fala de cidades impossíveis, por exemplo, uma cidade microscópica que se expande, se expande até que termina formada por muitas cidades concêntricas em expansão, uma cidade teia de aranha suspensa sobre um abismo, ou uma cidade bidimensional como Moriana. [...] Creio que o livro não evoca apenas uma ideia atemporal de cidade, mas que desenvolve, ora implícita ora explicitamente, uma discussão sobre a cidade moderna. [...] Penso ter escrito algo como um último poema de amor às cidades, quando é cada vez mais difícil vivê-las como cidades.»

Italo Calvino



 
Há muito tempo que pensava em ler As Cidades Invísíveis de Italo Calvino, mas o tempo foi passando e nunca o fiz. Talvez inconscientemente esperava a oportunidade certa para que o livro me fascinasse e me seduzisse como o fez.
 
Basicamente, a obra pode-se resumir no seguinte: Marco Polo, explorador veneziano do século XIII descreve  as suas viagens ao imperador oriental Kublai Khan (neto do Gengis Khan), nomeadamente as cidades do seu vasto império, que este não consegue visitar.
 
Durante as cerca de 170 páginas são apresentados pequenas descrições de cerca de cinquenta e cinco cidades, todas com nomes de mulher, intercaladas com diálogos entre o explorador e Kublai Khan.
 
Todas elas  desafiam as próprias leis do universo e de imediato percebemos que não são reais. Elas poderão ser apreciadas pelo leitor apenas pela sua beleza literária, pelas palavras e descrições que criam a imagem na nossa mente de um mundo especulativo.  
 
Pura fantasia envolta numa neblina alegórica, pois estas cidades não são mais do que extensões das nossas viagens interiores, transpostas para a realidade do mundo, com as suas vicissitudes e defeitos, com os encantos e encantamentos próprios dos nossos desejos.
 
De leitura rápida mas que se teima em repetir, para se degustar cada pedacinho.
 
Adorei a viagem de Marco Polo pelas cidades desse grande império que é o mundo dos sonhos e dos pensamentos.
 
 
 
 


Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando este lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores. Existe um momento na vida dos imperadores que se segue ao orgulho pela imensa amplitudedos territórios que conquistamos, à melancolia e ao alívio de saber que em breve desistiremos de conhecê-los e compreendê-los, uma sensação de vazio que surge ao calar da noite com o odor dos elefantes após a chuva e das cinzas de sândalo que se resfriam nos braseiros, uma vertigem que faz estremecer os rios e a smontanhas historiadas nos fulvos dorsos dos planisférios, enrolando um depois do outro os despachos que anunciam o aniquilamento dos últimos  exércitos inimigos de derrota em derrota, e abrindo o lacre dos sinetes de reis dos quais nunca se ouviu falar e que imploram a protecção das nossas armadas avançadas em troca de impostos anuais de metais preciosos, peles curtidas e cascos de tartarugas: é o desesperado momento em que se descobre que este império, que nos parecia a soma de todas as maravilhas, é um esfacelo sem fim e sem forma, que a sua corrupção é gangrenosa demais para ser remediada pelo nosso ceptro, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros de suas prolongadas ruínas. Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino ao ponto de evitar as mordidas dos cupins.
 

As cidades e a memória
2
 
O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações.