sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Mais um exercício de escrita: um texto com as palavras "editor, pai e falhanço"

Pedro, o menino voador 


Desde muito cedo que a mãe tinha sentido, na sua barriga, aqueles pezinhos minúsculos a saltitarem e a baterem nos seus órgãos internos.

Quando nasceu era uma criança saudável, calminha e muito bem disposta. Mas assim que começou a andar, nunca mais parou. Pulava, corria, andava e mesmo quando, já cansada se sentava, os seus pés nunca paravam.

- Os meus pés têm asas – dizia sempre que alguém lhe perguntava porque não ficava sossegado por um bocadinho. – Eles querem voar!

Contudo o momento mágico revelou-se no Natal do ano em que completou os oito anos. Foi nessa altura que a casa do lado foi comprada por um senhor simpático que tinha umas barbas brancas. Falava-se que era um editor, alguém que lia muito e cujo trabalho era pesquisar novos talentos na arte da escrita e publicar os seus livros.

Era simpático e Pedro, assim se chamava a criança dos pés voadores, gostava dele. Cruzavam-se várias vezes à entrada do prédio e o Sr. Nicolau tinha sempre uma palavra agradável para ele.

Foi numa noite fria em que Pedro já estava deitado, que de repente algo extraordinário aconteceu. Primeiros ouviram-se uns sons soltos., quase parecia um gato a dar umas miadelas, nas traseiras do prédio. Mas depois de uma breve pausa, veio um som baixinho que pouco a pouco se elevou nos ares como uma garça em pleno voo. Era triste, melancólico, mas ao mesmo tempo gritava por liberdade, por campos abertos cheios de pequenas flores brilhantes. Elevava-se e tornava-se forte como o mar revolto batendo nas rochas, lançando a espuma no ar e depois acalmava, morrendo junto à areia brilhante da praia.

Os pés de Pedro, ao inicio ficaram à escuta, mas depois movimentaram-se autónomos, transportando a criança ao som daquela música que chegava na calada da noite. O som do violino atingiu o menino, invadiu todos os seus sentidos e chegou triunfante à sua alma e ele, sem saber, dançou, dançou, dançou até cair exausto na sua cama após a última nota se apagar na noite.

Nessa noite, sonhou que voava ao som de violinos, seres alados acompanhavam o seu voo e levavam-no a percorrer vales e montanhas, acompanhou as águias no topo das montanhas geladas e os flamingos que planavam sobre os estuários cheios de outras pequenas aves. Mergulhou na água fria dos mares acompanhando o caminho do salmão que regressava para a desova, com ele subiu o rio e os seus pés saltavam e mergulhavam nos rápidos do seu caminho até à nascente.

No dia seguinte, Pedro falou no seu sonho aos pais e disse-lhes que queria ser dançarino. Os seus pés rejubilaram, mas o seu pai colocou as mãos na cabeça e pensou “Que falhanço! O meu filho quer transformar a sua vida numa dança.”

 


Obrigada Laboratório de escrita (https://www.laboratoriodeescrita.com/) 


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

"Noite no caminho de ferro da Via Láctea" de Kenji Miyazawa

 

Sinopse 

O Principezinho japonês. Um dos clássicos mais conhecidos da literatura nipónica, traduzido pela primeira vez e a partir do original!

Noite no Caminho-de-Ferro da Via Láctea tem sido comparado frequentemente ao clássico de Saint-Exupéry, e é a obra mais conhecida de Kenji Miyazawa. Traduzido em mais de 50 línguas e publicada postumamente em 1934, esta é uma «história para crianças que deve ser lida por todos os adultos» (New York Review of Books).

O jovem Giovanni, cujo pai está ausente numa longa viagem, tem a mãe doente. Assim, Giovanni é obrigado a aceitar pequenos empregos e tarefas, antes e depois do horário escolar, para alimentar a família, desenvolvendo neste contexto uma amizade com outro jovem, Campanella. No final de um dia de muitas atribulações, Giovanni e Campanella dão por si a embarcar num estranho comboio a vapor que surge do céu.

Nele viajam pela nossa galáxia conhecendo todo o tipo de pessoas e apercebendo-se deste modo da vastidão e da riqueza do ser humano e da ciência, que o arrancaram da mera sobrevivência para dominarem o universo. Com esta viagem, os dois jovens percebem que há muito mais mundo para lá das suas vidas limitadas.

Uma viagem de descoberta da humanidade, das maravilhas da natureza e da capacidade de sonhar do ser humano e uma narrativa sobre o modo como a ciência pode transformar os sonhos em realidade.

Esta novela de Kenji Miyazawa foi adaptada a diversas séries de televisão e filmes de animação.

Neste volume juntamos também a novela A Vida de Gusuko Budori, que é traduzida pela primeira vez numa língua ocidental, tendo também sido já adaptada ao cinema duas vezes e abordando temas semelhantes.


Este foi o primeiro livro que terminei em 2022. Para quem me acompanha no Goodreads, perceberá que o comecei a ler em agosto de 2021, no entanto a demora nada teve a ver com o facto de estar ou não a gostar do mesmo. Mas sim porque o livro é composto por dois contos: “Noite no Caminho-de-Ferro da Via Láctea” e “A Vida de Gusuko Budori” e, no intervalo de outras leituras li em agosto o primeiro e só agora, no final do ano/ principio deste, li o segundo.

Foi a única obra de Kenji Miyazawa que li, mas fiquei com vontade de ler muito mais. A escrita deste autor é riquíssima, quer pela simplicidade das histórias quer pelo conteúdo e informação que o autor nos dá.

Enquanto nos conta a história da viagem do pequeno Giovanni e do amigo Campanella através da via láctea num comboio a vapor, o autor fala-nos da uma amizade pura e inocente de duas crianças, de sobrevivência e perseverança. Paralelamente mostra-nos um universo imenso, cheio de vida, luminoso, uma quarta dimensão que questiona a própria humanidade.

A segunda história “A Vida de Gusuko Budori” mostra-nos a vida difícil de quem vivia nas florestas Tohoku, no norte do Japão, na década de 1920. Após uma série de desastres naturais e da morte dos pais, Budori é forçado a partir. Experiencia diversos empregos onde compreende as dificuldades dos camponeses que vivem essencialmente do campo e da agricultura. Um acaso leva-o a juntar-se a um grupo de cientistas que trabalham com desastres naturais e onde ele procura a solução que permita resolver os problemas dos agricultores nesta área.

Ambos as histórias, estão repletos de descrições cientificas das espécies da flora e fauna do Japão, caracterizando-as em notas de rodapé, enriquecendo o livro com detalhes científicos e figuras de estilo ricas e cheias de imaginação.

Um livro considerado juvenil, onde nos é apresentado o lado triste da doença, da morte e da solidão, mas ao mesmo tempo desafia-nos a ver uma dimensão brilhantemente poética da humanidade, as maravilhas da natureza e convida-nos a nunca perdermos a capacidade de sonhar.