quinta-feira, 25 de abril de 2013

Contos do Insólito de Guy de Maupassant



“Meu Deus! Meu Deus! Vou portanto escrever, enfim, o que me aconteceu! Mas poderei fazê-lo? Atrever-me-ei? Isto é tão estranho, tão inexplicável, tão incompreensível, tão louco!

Se não tivesse a certeza do que vi, a certeza de que não existiu nos meus raciocínios, nenhum desfalecimento, nenhum erro nas minhas comprovações, nenhuma lacuna na série inflexível das minhas observações, julgar-me-ia um simples alucinado, o joguete de uma estranha visão.
 Afinal, quem sabe?
Encontro-me hoje numa casa de saúde; mas entrei voluntariamente por prudência, por medo.
Um único ser conhece a minha história. O médico daqui. Vou escrever-lhe. Não sei lá muito bem porquê. Para me desembaraçar disto, porque o sinto dentro de mim como um intolerável pesadelo.”


Guy de Maupassant (1850 – 1893), foi um escritor francês que se debruçou fortemente sobre situações psicológicas e crítica social.
Escreveu romances e peças de teatro. No entanto, foi com os contos que se notabilizou, sendo considerado a par de Tchekov como um dos melhores contistas de todos os tempos.
Era um homem solitário, nutrindo alguma aversão à sociedade. Viajava bastante e em cada viagem, trazia novas obras.
Dos seus romances destacam-se Bel-Ami e Pierre et Jean, sendo este último considerado por muitos como o seu melhor romance.
Dos 300 contos que escreveu, destacam-se  A Pensão Tellier e O Horla
O medo da morte atormentava-o, veio a falecer no manicómio, pouco antes de completar os 43 anos de idade, após tentativa de suicídio, provocado por perturbações mentais causadas pela sífilis que o atormentou por uma década.

O livro Contos do Insólito é uma coletânea de 21 contos que têm em comum o fantástico e o sobrenatural.
Não podemos esquecer que são escritos, no século XIX, quando se começa a falar em magnetismo, hipnotismo e a sua ligação aos fatores psíquicos e ao paranormal. Neles o impossível alia-se ao fantástico, criando situações insólitas em que o factor surpresa é uma constante.
Escritos num tom muito pessoal, em que o autor cria um elo muito forte com as personagens, sendo em muitos casos o próprio protagonista da história que desenvolve, o amigo próximo ou mesmo o médico que o assiste.
A linguagem intimista cativa-nos e leva-nos a percorrer este mundo insólito e perturbador, conto após conto, identificando-nos, de uma forma emotiva, com as relações de amor, ódio, perseguição ou mesmo com a presença da morte.
Não vou fazer uma análise detalhada dos contos, uma vez que são pequenos e acabaria por lhes retirar o factor surpresa que atinge o leitor de rompão ao iniciar a sua leitura.
Apenas refiro que a escrita é viciante, para quem gostar do género, e que rapidamente nos damos conta que o livro chegou ao fim e o mistério fica no ar.
Gostei muito e recomendo a quem gostar do género 


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Perguntas-me? de Manuel Alves


"É o que te digo, ar, sorriu a rapariga. Um sorriso é fácil de imaginar. Um traço com curva e duas ou três pintinhas. Tolices cá minhas.

O ar beijou o rosto da raparia com um sopro. Ela sorriu e baixou o rosto, como se tivesse acabado de conhecer o primeiro amor da sua vida. O ar fê-la corar. O ar sabia-lhe os pensamentos. E, em alguns deles, havia muito descaramento.

 Sabes, ar, gosto de te escolher para conversar, disse a rapariga. Ouves sem esperar pela tua vez de falar. Dás tempo de sorrir. De imaginar. E o que é mesmo bom é que não tenho de te pedir para ficar.

A rapariga encheu mais um balão de pensamento e deixou-se estar, encostada à folha de papel-parede, a sorrir com toda a vontade que se pode imaginar."

 Manuel Alves – Perguntas-me?

 
Uma obra composta por 46 pequenos textos, dos quais alguns poemas. Todos eles são questões ilustradas com aguarelas, desenhos do próprio autor. Inicialmente comecei a “folhear” algumas páginas e deparei-me com algo que não esperava (não sei porquê, uma vez que o autor me era completamente desconhecido e não deveria de haver nada a esperar…).
Estes pequenos textos são todos eles questões, com que o autor nos presenteia de uma forma sublime. Sentimentos de amizade, amor, ódio, raiva ou mesmo de uma leve indiferença sentida no seu íntimo, que nos transportam para o seu mundo, numa mistura de cores e sentidos. É impossível ficar indiferente perante as suas palavras.
Estas são escritas como se de pensamentos se tratassem, mas com um ritmo poético. Basicamente, palavras simples que questionam, somente por questionar, sem esperar respostas, num ritmo envolvente e poético, muito doce e amargo por vezes.
Este livro encontra-se disponível em:
 







sábado, 13 de abril de 2013

A Oeste do Éden de Harry Harrison



Sinopse

«Quando os dinossauros governavam a Terra...». Pois A Oeste do Éden ainda governam. 

A catástrofe cósmica que os exterminou há 65 milhões de anos nunca chegou a acontecer. O grande cometa nunca caiu, nunca chegou a provocar aquilo a que, no nosso universo, Carl Sagan chamaria Inverno Nuclear. A permanência de condições climatéricas indefinidamente estáveis permitiu que os grandes répteis continuassem a evoluir, com o cérebro sempre a aumentar, o polegar a tornar-se oponível, até culminarem nas Yilanè, a raça sauróide mais inteligente da Terra. A sua complexa civilização, baseada em sofisticadas técnicas de engenharia genética, transformou se num milagre de estabilidade social e integração ecológica. Fez surgir cidades «orgânicas» por toda a África, Europa e Ásia. Modificou todos os ecossistemas à sua imagem e semelhança. 

Subitamente, pressões climatéricas, o advento de uma microidade glaciar, fazem diminuir radicalmente os recursos energéticos e alimentares. Sob a ameaça do extermínio total da sua civilização, as Yilanè são forçadas a explorar o que designamos por oceano Atlântico e a colonizar o Novo Mundo. 

E ali, nas costas da Florida, dominando o topo de um ecossistema incompreensível, encontram uma espécie desconhecida de mamíferos inteligentes, agressivos, selvagens. Mamíferos que se deslocam erectos, assentes nos dois membros posteriores, que possuem o dom da palavra e se servem de utensílios rudimentares de pedra. Mamíferos que odeiam instintivamente toda e qualquer yilanè. Um ódio que é recíproco...


Quando peguei neste livro, para o começar a ler, confesso que tinha alguma expectativa e curiosidade. No entanto, nada previa que se tornasse num dos livros mais fantásticos que li nos últimos tempos. 

Resumidamente pode-se dizer que “A Oeste do Éden” conta-nos a história de um rapaz, Kerrick, pertencente a uma tribo de nómadas e que vê o seu sammad (grupo de pessoas que vivem em comunidade) ser totalmente destruído por uma raça desconhecida e que fazem dele seu prisioneiro, aos 8 anos de idade. Desta forma, Kerrick, conhece as Yilanè e a sua sociedade altamente desenvolvida. Com a curiosidade que lhe é característica ele aprende a linguagem, costumes e a organização da cidade onde vive por uns 7 anos. Quando reencontra o seu povo fica dividido, sentindo-se que não pertence nem a um nem a outro. Ele não é mais o mesmo, mas o ódio pelas Yilanè vence, levando-o a vingar a destruição de vários sammad e a respectiva morte dos seus membros, até á destruição da cidade onde cresceu. 

Este livro, tem tanto conteúdo que me agradou, que é difícil, conseguir transmitir-vos tudo o que dele retive. 

Por um lado, o realismo antropológico e a descrição das primeiras sociedades humanas no tempo da idade da Pedra. A descoberta do fogo e todo o seu potencial, á passagem das tribos nómadas ao sedentarismo, as primeiras comunidades/cidades destes povos, a descoberta da agricultura, a arte rupestre e o próprio aperfeiçoamento dos utensílios e armas de caça e ou guerra. 

Por outro lado a sociedade muitíssimo desenvolvida das Yilanè que dominam magistralmente vários campos da biologia e outras ciências. Povo descendente dos dinossauros  cuja evolução permitiu um conjunto de modificações genéticas, nomeadamente o desenvolvimento de polegares oponíveis. Por forma a combater a escassez de alimentos e a defenderem dos predadores os animais destinados à alimentação, criaram cidades com barreiras biológicas para o exterior. As transformações genéticas e a biotecnologia utilizadas no desenvolvimento das cidades onde vivem, são magistralmente criadas pelo autor. 

Ainda a ambiguidade dos sentimentos em Kerrick, que se sente preso a um povo, o seu, mas que ao mesmo tempo se sente deslumbrado pela evolução e conforto que o mundo das Yilanè lhe proporcionam. A sua crescente vontade de evoluir face ao conhecimento que aprendeu com as suas sequestradoras em oposição ao seu povo de caçadores-recolectores. 

A zoologia incrível que o autor cria e apresenta num conjunto de seres, em que alguns mais reais são antepassados dos existentes nos nossos dias, mas outros que são mutações genéticas oriundas do desenvolvimento das Yilanè e que servem para a sua subsistência. 

A riqueza da narrativa aliada ao realismo das personagens, transformam este livro numa obra verdadeiramente fantástica. 

Um livro que junta todos estes factores de que falei anteriormente e que se revelou, na minha opinião, verdadeiramente espantoso. 

Livro a não perder. Aconselho vivamente.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Contos DN - fase 2

Mais um conjunto de contos que li e sobre os quais dou a minha opinião


David Machado – Acho que posso ajudar

Sinopse:"Acho que posso ajudar" é a história de uma menina que acredita estar ao seu alcance resolver os problema de qualquer pessoa, monstro ou bruxa no mundo. Mas ela não sabe que cada gesto seu pode provocar uma cadeia de acontecimentos que deixará tudo pior do que estava.
Conto infantil, bastante engraçado, que nos conta a história de uma menina de oito anos que resolve ajudar a sua avó. No entanto a resolução do problema desencadeia outro que faz com que uma série de acontecimentos surjam. A menina querendo ajudar acaba por fazer com que os seus problemas deixem de existir, mas criando outros que alteram o rumo normal da vida no local onde mora.
A escrita é muito fluida e agradável. Gostei muito
                                      Nota: 4/5


Rui Zink – Um romance

Sinopse: Anos 80. O narrador improvável. Um restaurante ao lado de uma sala de cinema. Ele, Artur. Ela, Carolina. Cannelloni e lasagna. Romance anunciado? Já agora, também a vida.

Um conto, cuja história é perfeitamente banal, sem nada a acrescentar de novo ou de entusiasmante.  Uma história de amor que começa mal e termina igualmente mal, pois os preconceitos gritam mais alto. No entanto gostei  da escrita, da forma como o escritor se dirige ao leitor, de uma forma directa, contando, como quem fala com um amigo, o desfecho de uma história de amor, num jantar romântico, a que ele assistiu num restaurante enquanto aguardava  a chegada do Aristides.
Nota: 3,5/5


Dulce Maria Cardoso – Coisas que acarinho e me morrem entre os dedos
Sinopse: Uma mulher tem um encontro marcado com um desconhecido. O desconhecido tem sempre tanto de sedutor quanto de ameaçador. Que fazer? A mulher demora-se, frente ao computador. Atrasa-se. Talvez se afunde nos abismos que um psicólogo garantiu existirem no seu interior. Talvez se perca no outro lado do mundo, em Bangladesh, onde nunca faz frio. Ou talvez, ainda, se entregue nos braços de Machina ex Deus.

Uma história que nos fala sobre o conhecimento do Outro, sobre o que perdemos ao longo da vida: pessoas, bens, países, entre outras coisas. Uma escrita confusa, com demasiados recursos a informação da net, num texto desta dimensão, e que em nada contribui para a sua melhoria. Não gostei.
Nota: 1/5

Gonçalo M. Tavares – A moeda

Sinopse: Kartopeck, homem rude, avesso à cidade, vê o seu rosto desfigurado por manchas enigmáticas que lhe causam um enorme desconforto. Pensa que vai morrer. A prostituta que lhe vende os serviços conta-lhe as moedas, mas também as manchas. E ri-se.

Um homem cujo rosto se vai desfigurando, para além do admissível socialmente, acreditando que lhe resta pouco tempo de vida, vê-se confrontado com a noticia de que se encontra de perfeita saúde, sendo o seu problema apenas um factor externo ao organismo. Pouco habituado aos costumes da cidade, encontra-se desenquadrado e irritado consigo próprio por não conseguir integrar-se neste meio.
A escrita é fluida e bem delineada, mas a história não apresenta nada de novo, um pouco sem interesse.
Nota: 2/5


João Tordo – A cidade liquida


Sinopse : O conto Cidade Líquida recupera as personagens de um outro conto do autor, Águas Passadas, que decorre em Veneza. Agora em Lisboa, as mesmas personagens - o narrador e Roque dos Santos, um realizador de cinema - tornam a encontrar-se.

Um conto estranho que fala de um relacionamento que termina, de um realizador e do seu filme e dos sentimentos que assolam um professor de filosofia. Essencialmente, fala-nos de enganos e de aparências. Nem tudo o que parece existe na realidade, as pessoas não são aquilo que aparentam ser e no fundo tudo funciona como numa tela de cinema, a multidão não significa nada e no final o sentimento de solidão persiste. Esta é a mensagem que tirei deste conto, não sei se corresponde ao que o autor quis transmitir. No entanto, há várias incoerências no conto, nomeadamente água furtadas com vizinhos por cima.
Gostei bastante da escrita, muito embora a história seja uma mistura de situações que já referi e que não cativa. A nota atribuída é exclusivamente pela escrita.
Nota :  3/5