Eu nem queria acreditar. Nessa manhã algo deve ter espantado
o galo da vizinha, pois nem o seu cantar me acordou como habitualmente.
Levantei-me, meio destrambelhado, já o sol ia bem alto no
firmamento quando rapidamente tentei, em vão, recuperar o tempo perdido. Ainda
sentia o efeito de ter dormido demais e sonhado muito, quando coloquei os pés
fora de casa e me desloquei até ao trabalho.
O dia escoou-se no tempo que lhe é habitual, lento e quente
nesse dia. Mas após umas boas horas estava de regresso a casa, feliz pelos
momentos que me esperavam no conforto da casa, junto da minha família. Os
finais do dia eram simpáticos e acolhedores.
O sol ainda lançava os seus raios sobre o meu para-brisas
quando o carro da frente parou repentinamente. Coloquei o pé no travão, no
seguimento de um reflexo bem oleado e perguntei-me porque raio parava ele assim
no meio da rua.
Foi quando as vi. Eram chamuças enormes, esses pasteis
indianos com imensas especiarias recheados de carne, legumes ou mesmo de
camarão, bem saborosos por sinal. Passeavam-se pelas ruas, de lá para cá e de
cá para lá, bamboleando-se como se estivessem numa passerelle, vaidosas e
inchadas, as pessoas trincavam-nas ali mesmo, à frente de qualquer transeunte e
elas soltavam imensas gargalhadas como se lhes estivessem a fazer cocegas.
Devia estar a alucinar, nem queria acreditar no que estava a
acontecer. Mas era real, uma delas aproximou-se da minha janela e senti de
imediato o cheiro a cravinho, gengibre, noz moscada e talvez mesmo coentros.
Esfregou-se de encontro ao meu braço e murmurou “ dá-me uma trinca, sou bem
saborosa”, afastando-se em seguida.
O carro da frente avançou, uma vez que a procissão das
chamuças ia passando para trás de nós e eu rapidamente me pus a caminho.
Cheguei a casa e nesse momento lembrei-me que tinha
combinado chegar cedo pois iriamos ter uns amigos para jantar connosco. Lena, a
minha mulher estava atarefadíssima e ao ver-me o seu rosto ficou vermelhíssimo
de tão irritada que ficou.
- Andaste no petisco com os teus colegas, tresandas a
especiarias e esqueceste-te do jantar com o Luis e a Marcela? Ao menos podias
ter trazido as chamuças de camarão que te pedi!
Ah, mais chamuças… mas estava a ser perseguido por elas! A
minha cara devia ter mostrado o espanto e horror que ia dentro de mim, porque a
minha mulher pegou no seu saco do tricot e atirou um novelo de lã na minha
direção.
- Ui! – exclamei – Nem acredito que me chicoteaste com um
fio de lã.
Nesse momento, o galo da vizinha entoou o seu canto
madrugador.
publicado no https://www.laboratoriodeescrita.com/conta-me-historias
Obrigada Lara Barradas
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