Gui era apenas um menino que corria pelos campos. O mundo
queria que ele fosse muito mais, mas ele era somente um menino.
Assim que o sol despertava e se erguia preguiçoso no
horizonte, Gui acordava, saltava do seu colchão, pegava num bocado de pão duro e
saía, correndo e comendo pelas ruas á procura do dia que chegava.
No verão, não havia escola, por isso ficava sozinho a
vaguear pelas ruas da cidade ou arriscava uma aventura pelos campos que a envolviam.
Roubava uma fruta aqui ou ali que mordiscava com verdadeiro deleite. O seu dia
escoava entre o alcatrão, os telhados das velhas casas senhoriais e os campos
abandonados, onde à sombra das árvores, construía o seu reino e comandava os
seus soldados, na defesa da cidade. Á tardinha, o Sr. Joaquim do café Central,
dava-lhe uma caixa com dois ou três bolos que já não ia vender e ele levava
para casa com mil cuidados.
Tinha vontade de os comer, mas guardava a vontade no bolso
de trás das calças e esperava pacientemente pela mãe, para dividir com ela o
seu tesouro.
Após a refeição que a mãe preparava com muito carinho,
sentavam-se no velho sofá da sala e dividiam a oferta do Sr. Joaquim e esse era
o melhor momento do dia. Contavam um ao outro as peripécias, entre mordidelas
num pastel de nata ou numa bola de Berlim e riam-se das caras enfarinhadas de
uns biscoitos de limão ou canela.
Os dias passavam rápidos no Verão, Gui apenas enfiava uma
camisola de alças e uns calções e assim andava pelas ruas, sem se preocupar com
horários a cumprir, deveres a fazer ou o frio a entrar pelas solas esburacadas
das suas botas de inverno.
Os dias eram sempre iguais, mas a liberdade é um sonho que
poucos têm e Gui aprendera que era o seu bem mais precioso.
Mas um dia algo mudou. Nas suas deambulações solitárias, Gui
encontrou um objecto comprido que de imediato não soube para que servia. Mais
tarde a mãe explicou-lhe que era uma flauta e que através dela se poderiam tocar
melodias tão fantásticas, que trariam até ele os sonhos mais belos que poderia
imaginar. Lembrando-se das aulas de música da escola, tentou ensinar-lhe como
colocar os dedos e os sons que se poderiam soltar daquele singelo instrumento.
Gui estava encantado. Não entendia nada de música, mas algo
tocou o seu coração naquele momento. Um sentimento que ele não compreendia
assaltou-o de repente perante aquele som melodioso. Nos dias seguintes ele foi
treinando, aperfeiçoando o som que saía por vezes esganiçado, mas que a pouco e
pouco ia dando lugar a uma melodia suave e muito bela.
Todos os dias, ele sentava-se nas escadas do prédio onde morava
e tocava. Miró, o gatito companheiro no passeio pelos telhados, deixava-se
ficar por ali como um espectador atento ao desenrolar deste novo entretém do
seu amigo. Ele nem entedia muito bem porque Gui estava tão sossegado e não
aproveitava para dar uma voltinha pelos telhados e pelos campos, mas o que era
certo é que algo se passava ali de diferente.
O menino não sabia tocar, mas o seu coração sabia e desta
forma compunha, sem o saber, uma das mais belas músicas que se ouvira até
então. A cada nota que se soltava, um pedacinho de magia libertava-se no ar e a
verdadeira aventura começava.
O seu coração de criança, inocente e feliz, criava um mundo
onde ele se refugiava. Pequenos seres surgiam deslizando pelo som de cada nota.
Eram duendes travessos, elfos sorridentes, pequenos póneis alados que se
elevavam pelos céus, princesas e guerreiros e trolls enormes que tudo queriam
destruir. Mas a música soava forte e surgia um dragão que voando pela rua
queimava, com o seu bafo de fogo, tais criaturas maldosas. Depois tudo terminava, e estes seres
recolhiam-se de novo na pequena flauta, esperando por um novo momento para se
soltarem e encherem a rua com as suas aventuras.
Miró assistia a tudo com um sorriso muito próprio, como só
os gatos conseguem ter.
Boas amiga Caminhante,
ResponderEliminarObrigado pela partilha deste belissimo texto, adorei, realmente a imagem faz puxar pela nossa criatividade, muito bem.
Bjs e continua com novos textos, pequenas delicias :)
obrigada Fiacha :) tenho andado muito preguiçosa, mas tenho de inverter esta tendência. beijinhos
EliminarExcelente texto. Parabéns
ResponderEliminarmuito obrigada pela visita e pelas tuas palavras :)
Eliminar