quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

"Firmin" de Sam Savage


Sinopse
Nascido na cave da Pembroke Books, uma livraria da Boston dos anos 60, Firmin aprendeu a ler devorando as páginas de um livro. Mas uma ratazana culta é uma ratazana solitária.

Marginalizado pela família, procura a amizade do seu herói, o livreiro, e de um escritor fracassado. À medida que Firmin desenvolve uma fome insaciável pelos livros, a sua emoção e os seus medos tornam-se humanos. É uma alma delicada presa num corpo de ratazana e essa é a sua tragédia.

Num estilo ora sarcástico ora enternecedor, Firmin é uma história sobre a condição humana em que a paixão pela literatura, a solidão e a amizade, a imaginação e a realidade, fazem parte de um mundo que acarinhava os seus cinemas de reprise, os seus personagens únicos e a glória amarelada das suas livrarias. Firmin é divertido e trágico. Como todos nós.


Confesso que se não fosse um conselho de uma boa amiga, Firmin ter-me-ia passado ao lado e seria uma enorme perda.

Gostei muito de ler este pequeno livro e de conhecer Firmin uma ratazana, de pelo negro e aparentemente como tantas outras que vivem em buracos escuros, frios e húmidos e comem restos de comida.

No entanto Firmin não é uma ratazana vulgar, é o mais novo de uma ninhada de treze filhos de uma mãe que vai bebendo os restos das bebedeiras humanas e que invariavelmente chega a casa bêbada. Sendo o mais fraco, apenas lhe restam as últimas gotas de leite libertas do álcool ingerido pela Mama. Talvez por isso ele, o renegado pela família, tenha encontrado nos livros a fonte para saciar todas as suas carências.

Nascido na cave de uma velha livraria, a Pembroke Books, em Boston nos anos 60, Firmin começou a sua vida deliciando-se com as páginas de Finegans Wake de James Joyce, que a sua mãe despedaçou para com elas fazer o berço dos seus filhos.

Dia a dia ele vai alimentando o corpo e o espírito de livros, ele come, lê e vive os livros. De uma abertura no tecto da livraria, observa as pessoas que entram e saem e vai aprendendo a viver com elas, conhecendo exactamente quais os gostos de cada um e os locais onde se encontra cada livro que procuram. Sabe quais as categorias dos livros e viaja com eles, desde as mais longínquas aldeias do globo terrestre aos locais mais ínfimos do corpo humano.


"Nunca fui muito valente no aspecto físico, aliás nem em qualquer outro aspecto, e foi-me muito difícil aceitar a pura estupidez de uma vida vulgar, sem história, de modo que comecei bastante cedo a consolar-me com a ideia ridícula de que tinha um Destino. E resolvi viajar pelos livros, no espaço e no tempo, à procura dele. Com Daniel Defoe visitei a Londres da peste negra. Ouvi o sineiro gritar "Tragam cá para fora os vossos mortos" e cheirei o fumo dos cadáveres queimados. Continua entranhado nas minhas narinas. 
(...)  
Pus Baudelaire na jangada com Huck e Jim. Fez-lhe bem. E tornei algumas pessoas tristes mais felizes. Deixei Keats casar com Fanny antes de morrer. 
(...)
Deixei os livros entrar nos meus sonhos e por vezes sonhei que eu é que estava nos livros. Tive a cintura de vespa da Natasha Rostova, senti a mão dela no meu ombro e dançámos os dois e, flutuando ao sabor da valsa (....) 
Fui em tempos - apesar do meu porte desagradável - um irremediável romântico, esse personagem tão ridículo. E um humanista também, igualmente irremediável. E no entanto apesar - ou será por causa? - desses sentimentos conheci uma data de gente fabulosa, bem como uma data de génios, no decorrer da minha educação básica. Conversei com todos os Grandes.. Dostoievski e Strindberg por exemplo. Neles não tardei a reconhecer colegas de sofrimento, histéricos como eu. E aprendi com eles uma lição valiosa - por mais pequenos que sejamos, a nossa loucura pode ser tão grande como a de qualquer outra pessoa."


Através de uma linguagem simples, e na primeira pessoa, vamos acompanhando o crescimento deste personagem que acredita no poder da amizade e que busca a felicidade acima de tudo. O seu maior desgosto é não conseguir comunicar com a espécie humana, essa espécie que ele vai aprendendo a conhecer através da livraria, através de Fred Astaire e Ginger e das belas mulheres dos filmes que vai assistindo no velho cine-teatro Rialto do outro lado da praça, onde ele vai procurar o seu alimento. Ele sonha com Astaire, ele vive pelos mundos dos livros que lê e ele desilude-se com a vida real fora das paredes onde vive. O ser humano revela-se egoísta e mesquinho causando-lhe sofrimento, levando-o a refugiar-se no sonho e nos livros. Ele apenas deseja amar e ser amado intensamente.

Com Jerry, um escritor falhado, ele consegue ser feliz. Entendem-se mutuamente nos seus gostos e nos livros que são a essência da vida para ambos, e Firmin encontra nesse ser o reflexo da sua alma de camundongo num ser humano.  É a seu lado que vive os melhores dias da sua vida, pois, segundo ele próprio, abandona o seu estilo de vida burguês.

No entanto a vida é traiçoeira, mesmo para uma pequena ratazana pacífica e cobra os seus preços. Todo o bairro onde se localiza a velha livraria e o cine-teatro Rialto está inserido num programa de reforma urbana, cujo projecto avança com a demolição de todas as construções existentes. A pouco e pouco a vida vai-se escoando, não há visitantes, o cinema encontra-se vazio e a comida escasseia.

Uma fábula divertida e dramática em que o autor nos oferece  uma visão da condição humana, da solidão, do desejo que todos temos em sermos reconhecidos como verdadeiramente somos, de amarmos e de sermos amados. Através das suas reflexões Firmin predispõe-nos a pensar nas nossas atitudes, nas nossas procuras e sobretudo naquilo que é o Destino.  


Muito bom.
Ilustrações de Fernando Krahn
Edição/reimpressão:2009
Páginas: 160
Editor: Editorial Planeta
ISBN: 9789896570019




8 comentários:

  1. Olá, São. :)
    Bem, parece ser uma leitura muito boa, de facto.
    Desconhecia tanto o livro como o autor. (Y)
    Beijinhos e continua em maré de boas leituras.

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    1. Olá Nuno :)
      é uma leitura muito agradável, com uma boa dose de humor e que nos faz encarar as ratazanas sob uma outra prespectiva eh eh eh :D
      Eu também não conhecia o livro nem o autor e foi uma amiga, com quem troco regularmente livros que mo emprestou e disse: vais gostar bastannte e de facto assim foi.
      Aconselho a sua leitura, há um conjunto enorme de referências a autores e obras, alguns dos quais não conheço.
      De facto comecei muito bem o ano, estou a ler um livro de contos fantástico e que é mesmo daqueles que gosto ínicio do século XX com as descobertas da mente e da ciência em alta.
      Beijinhos e boas leituras

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  2. Olá São!
    Ora aqui está algo diferente para se ler. E ao que parece muito agradável. Gostei da sinopse e do teu comentário. Muito completo. As imagens que apresentas fazem parte do livro? Acho fantástico livros com ilustrações.
    Beijinhos

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    1. Olá Luisa :)
      Obrigada pelas tuas palavras :)
      Sim, as ilustrações fazem parte do livro, são muito giras e representativas. É uma leitura diferente e bem agradável, cheio de referências a autores e a obras e a interpretação que uma ratazana faz destes.
      Se tiveres oportunidade lê, que vale a pena :)
      beijinhos

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  3. Viva,

    Ena só agora vi este comentário e sem duvida que devemos estar na presença de uma excelente leitura e bem diferente do habitual, parabens pelo excelente comentario ;)

    Bjs e boas leituras

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    1. Olá Fiacha :)
      ainda vieste a tempo e obrigada pelas tuas palavras.
      É um livro diferente sem dúvida e bem interessante que nos passa completamente ao lado.
      Beijinhos e boas leituras para ti também

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  4. Oii, adoreii, amei o blog também, estou te seguindo já, bjos.

    yuugracindo.blogspot.com

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    1. Olá :)
      Muito obrigada pela visita e pelas tuas palavras bem simpáticas.
      Espero que gostes e que te divirtas por aqui
      Bjs

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