terça-feira, 22 de abril de 2014

Dia da Terra




Para comemorar este dia, relembro aqui o discurso do Chefe indígena Duwamish (Chefe Seattle) fez ao Governo Americano por volta de 1887, depois de o Governo ter declarado que pretendia comprar o território da tribo.


"O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.

Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.

O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.

Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.

Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das assa de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo a pinheiro.

O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.

O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres.

Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisontes apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisonte que (nós - os índios ) matamos apenas para o sustento de nossa vida.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.

Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.

De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.

Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.

Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. "Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse": E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."



7 comentários:

  1. Olá amiga Caminhante,

    Sem duvida uma bela história muito apropriada para o dia de hoje, que é bom termos consciência do estado em que está.

    Temos que lutar por um planeta melhor, por vezes são pequenos gestos que podem fazer a diferença, como fechar a torneira enquanto lavarmos os dentes, reciclar objetos entre tantas outras coisas.

    Adorei e nunca é demais chamar a atenção para este real problema :)

    Bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sem dúvida Fiacha, todos os pequenos gestos que possamos fazer podem fazer a grande diferença nos dias de amanhã.
      Temos mesmo que nos preocuparmos dia a dia com o nosso planeta. Perceber que a agua que corre nos rios e nos mares é nossa, e que a terra, onde nascem as plantas e se formam as florestas faz parte de nós.
      Eu gosto muito deste texto
      Bjs

      Eliminar
  2. Olá amiga :)
    Ora aqui está um grande lição. Todos nós a sabemos e a conhecemos porque a ouvimos no coração todos os dias, porque o coração bate ao ritmo da gema do mundo. Estamos de facto todos interligados e tudo o que se respira, vê e ouve é tão parte de nós como nós de tudo isso. É o erro e problema mais grave do homem: não ter a humildade e sensibilidade de se ver numa abrangente bola de vida em que nascemos do cordão da mão natureza, crescemos de mão dada com ela e morremos nos seus braços. A mãe natureza não é somente a chuva, o vento, o sol, é cada pedaço de terra, é cada sopro de vida animal, é cada planta a rebentar de desígnio. Pois é...o homem branco é que não compreende, já há muito se esqueceu do que é de facto importante viver, e viver não é apenas o hoje, o amanhã ainda está para chegar...se o homem branco amar os seus filhos amará a terra e tentará para ela desejar-lhe o melhor e fará por ela o melhor de si.
    Esta história é um grande exemplo da ambição do homem e da sua ganância. Não anseio ver a teia que o homem teça para o mundo no futuro, mas desejo profundamente que os antepassados dos homens vermelhos se espalhem pelas terras do homem branco e ajudem a que este maravilhoso mundo não se perca nos desejos ambíguos do homem branco.
    Eu cá tentarei fazer o melhor pelo futuro, não só pelos meus filhos e netos, mas também pelos seus filhos e netos, e filhos e netos de todos os outros habitantes deste mundo, e também pelo mundo que só nos concedeu a graça de viver nele e nunca nos deu permissão para tomar posse de um poder que não temos capacidade para o ter.
    Bem..fico-me por aqui :D Obrigado por esta partilha tão boa amiga A Caminhante, excelente ^_^.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah...adorei a 1º. imagem, simplesmente vale mil palavras :)

      Eliminar
    2. Olá amiga ^_^
      As tuas palavras são sentidas e gostei muito de as ler :) Este velho texto é sempre actual e eu gosto muito dele. Diz muito sobre tudo aquilo que esquecemos....
      Palavras simples de acções e sentimentos simples mas sobre as quais todo um mundo pesa.
      Fico feliz que tenhas gostado e a imagem é linda também, quando a vi, não resisti.
      beijinhos ^_^

      Eliminar
  3. Olá Caminhante

    Uma bela história, infelizmente muitos acham que são senhores de tudo o que se vê e com os resultados que já se vêem. Tentemos educar esta nova geração a ser mais conscientes com este planeta pois (para já) não temos outro.

    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Marco
      Tens toda a razão, cada vez se vê mais os resultados da falta de civismo para com este planeta em que todos vivemos. Penso que a nova geração será mais atenta a algumas questões que as gerações passadas não tiveram, até porque há maior divulgação e maior consciência dos erros cometidos. No entanto também há, nesta nova geração, uma vontade muito grande da nova tecnologia e da ambição de ter mais, é muito mais consumista, e se não houver as devidas precauções, poderemos cair num risco diferente mas também ele problemático...
      Quanto ao (para já) :D gostei :D :D

      beijinhos

      Eliminar