quinta-feira, 27 de março de 2014

Alice Munro e "Fugas"

Não conhecia esta escritora, nem o seu trabalho. No Natal passado uma amiga, ofereceu-me este livro e foi com alguma expectativa que o comecei a ler, muito embora não sabia o que iria encontrar.


Um pouco sobre a autora e a sua obra….

Alice Munro nasceu no Canadá em julho de 1931, desde muito nova (1950) iniciou a sua carreira como cronista, mas só a partir de 1976 consolida a sua carreira como escritora.
Foi por três vezes vencedora do prémio de ficção literária “Governor General's Literary Awards”, do seu país. Em 1998 Alice Munro foi premiada pelo National Book Critics Circle dos Estados Unidos, pela obra “O amor de uma mulher generosa”. Aos 82 anos foi galardoada com o Prémio Nobel da Literatura 2013.


Munro não escreve grandes romances, nem trillers, nem ensaios mais ou menos filosóficos. Ele escreve contos, pequenas histórias quotidianas com personagens que retractam pessoas comuns na vida de pequenas povoações do seu país. São mulheres, famílias, adolescentes , as suas relações humanas analisadas pela lupa dos sentimentos e das emoções.

Encontros casuais, separações, partidas, acidentes, desencontros, acções que não se concretizam, desvios no caminho normal de todos os dias que levam à alteração da rota das vidas, do “destino” , das maneiras de pensar e de viver a vida.

A Academia Sueca, ao anunciar a distinção, referiu a escritora como a “mestre do conto contemporâneo”. Há quem a identifique como herdeira de Tchekhov ou do realismo lírico de James Joyce. Alice Munro possui um talento muito próprio de nos apresentar a essência da vida quotidiana de um modo conciso através de palavras simples nos seus contos e romances.

A editora Relógio D’Água publicou desde 2007 seis antologias de contos de Alice Munro e um romance com aspectos autobiográficos” A Vista de Castle Rock”.

Fugas


Sinopse
As oito histórias reunidas em Fugas falam sobre pessoas - mulheres de todas as idades e de origens diferentes, os seus amigos, amantes, pais e filhos -, cujas vidas, nas mãos de Alice Munro, se tornam tão reais e inesquecíveis quanto as nossas.




Oito contos, oito histórias de mulheres onde a vida e o destino teimam em pregar partidas, afastando pessoas, provocando desencontros e arrastando as personagens para caminhos que não são aqueles que gostariam de percorrer.

Como o próprio nome indica tratam-se de oito fugas, de passados complicados, de laços familiares, de matrimónios, de relações impetuosas, de limitações provocadas pelo envelhecimento ou doenças, ou dos próprios sentimentos e que nos fazem pensar na nossas próprias vidas. Quem somos, quais as opções que tomámos ao longo da vida e de que forma elas condicionaram a nossa vida actual.É fácil identificarmo-nos com algumas das personagens de Munro, pelas suas descrições e pelas suas vidas.

A vida que teima em nos afastar daquilo que sonhamos ou idealizamos em determinada fase e que nada podemos fazer par o evitar. De uma forma suave ou com uma força imensa ela pode arrasar-nos e mergulhar-nos num verdadeiro labirinto de sentimentos e emoções. E é aqui que Munro sabe tão bem interpretar estes conflitos, transpondo-os para o papel, com a leveza de palavras e com a crueldade de sonhos e planos desfeitos e que nada mais podemos fazer do que nos rendermos ao que está reservado.

Os contos “Acaso”, “Em breve”, “Silêncio” surgem-nos como uma trilogia, sem que, ao ler o primeiro, tenhamos a noção de que páginas mais à frente, iremos encontrar novamente Juliet. São três etapas da sua vida que nos surgem em separado e com um intervalo de tempo menor para “Em breve” mas de 20 anos para “Silêncio”. Nestas três histórias assistimos ao desenrolar de uma vida que procura seguir os seus sonhos, ou a sua busca pessoal, mas que no final quando tudo parece bem encaminhado, o chamado Destino revela-nos uma faceta menos esperada e ataca onde menos se espera.

A vida de Juliet prende-nos a atenção, levando-nos a quase não prestar atenção a alguns pormenores que nos vão sendo revelados, ou a outros que estarão subjacentes e não nos são transmitidos nos dois primeiros contos. É aqui que o seu talento é muitíssimo bom, pois o final inesperado acaba por ser um pouco consequência desses factos de que habilmente Munro nos foi desviando a atenção.

Para mim foram os melhores contos do livro, mas todos eles são muito bons.

No entanto não esperem que sejam contos com um final feliz, em que tudo corre bem e ultrapassadas as amarguras da vida, esta traz-nos a felicidade como um presente merecido. Nada disso.

São histórias demasiadamente reais em que a vontade humana e a realidade da vida ou do “destino” andam lado a lado, puxando para um ou outro lado, convergindo por vezes, mas afastando-se irreversivelmente noutras.

Para muitos, o conto é considerado uma arte menor na literatura. Para quem lê os meus comentários e me conhece, sabe bem o quão errada é, para mim, esta opinião, pois sou uma grande defensora dos contos e contistas de todos os tempos.

E sem dúvida nenhuma que Alice Munro tem um lugar cativo entre os melhores!

7 comentários:

  1. Olá,

    Mais um excelente comentário sem duvida e que nos mostra que a escritora é muito talentosa ao descrever coisas da vida real e que acabam por ser muito bem descritas, engraçado que em certa medida me faz lembrar a história do Sr. Agostinho personagem criada pelo Manuel Alves, mas pode ser de casos de vida bem diferentes, claro.

    Não acho que o conto seja considerado uma arte menor, até tenho interesse em ler alguns como os do Poe por exemplo e da Selma, mas os poucos que li não me encheram as medidas, mas não quer dizer que não venha a ler ou a desprezar :D

    *E sem dúvida nenhuma que Alice Munro tem um lugar cativo entre os melhores!*

    Está visto que está mais que recomendado :D

    Bjs e boas leituras por Duna :)

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    1. Sem dúvida que está mais do que recomendado :)
      Mas embora o Sr. Agostinho também seja uma personagem no meio de personagens da vida real, é bem diferente destes contos. O Manuel junta um laivo de "magia" e de muita ternura às suas personagens e tudo acba em bem.
      Alice Munro é muito crua e por vezes dura, como o pode ser a vida.
      Nada de "magia" à mistura, apenas a verdade nua e crua dos sentimentos e da frustação que por vezes nos assola diáriamente.
      há quem a compare com Tchekhov, eu penso que só pode ser comparada no aspecto em que ambos contam histórias reais, jogam com sentimentos diários, com personagens que podem qualquer um de nós. No entanto a escrita é completamente diferente. no Tchekhov há uma áurea de ... nem sei que palavra se adequa mais, :D mas há mais qualquer coisa que envolve os sentimentos, como que uma penumbra envolvente e com Munro isso não acontece, pelo menos neste livro que li dela. Quando ler mais, logo vejo se o que digo é ou não verdadeiro :)
      bjs e lá vou indo pelo desrto de Arrakis ...

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  2. Ai ai pronto estou mais que convencido, a ver se o leio e sim tinha percebido que eram histórias mais crueis de vida e concordo com o que dizes em relação ao Manuel a sua escrita tem um laivo de magia sem duvida ;)

    E que tal essa Arrakis faço ideia até te dá sede :D

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  3. Olá A Caminhante :D

    Como sempre vêem-se aqui relatadas boas escolhas de leitura e tão bem exprimidas pelo lado sentimental que as palavras parecem transportar. Parece-me de facto interessante estes contos pela ligação tão natural à vida comum que todos compreendemos e sentimos. Gostei desta recomendação, a qual, agradeço a partilha.
    Pelas vivências dos outros enriquecemos a nossa, e pelo que percebo, não foram necessários alongados livros para a tornaram na escritora de excelência que é. Por vezes corremos atrás de grandes histórias, quando o pedaço da perfeição e da beleza literária está em curtas palavras, exibidas em pequenos contos.
    Vou ler com certeza.
    Obrigado e continuação de boas leituras. Beijinhos

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    1. obrigada amiga :)
      é de facto um livro interessante, quase que diria: com as nossas histórias...
      pois são de facto histórias que assistimos e vamos lendo como se fosse um amigo ou amiga a contar, histórias bem reais e dos nossos dias.
      Vou querer ler mais dela, sem dúvida. Os livros são todos de contos menos um, logo vejo o que se seguirá desta senhora :)
      beijinhos e boas leituras

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  4. Olá Caminhante
    Prometi que visitaria o teu Blog e demorei um pouco. O meu tempo livre é tão pouco que o proveito para ler. E estava tão envolvida na leitura que não descansei enquanto não acabei o livro. Já agora acabei de ler o primeiro volume da trilogia do Mágico Negro da Trudi Canavan. Estou a adorar.
    Bem este teu post chamou-me a atenção pela escritora e porque me lembro de teres dito que ela escrevia contos. Deixa-me que te diga se alguém estivesse indeciso com o teu comentário tenho a certeza que pegavam no livro. Excelente comentário. E o livro parece mesmo muito bom. E não é que por obra do destino que tenho este livro. Assim que o vi na venda de livros no local onde trabalho peguei logo nele. E agora a ler o teu comentário fiquei triste porque o livro é em inglês e eu ainda não entendo o suficiente da língua para poder lê-lo. Fiquei com vontade de o comprar mas, em português.
    Eu fico aborrecida quando um livro é demasiado descritivo. Acho que vou gostar de contos. Acho que não serão maçadores se bem escritos.
    Obrigada pela sugestão beijinhos.

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    1. Olá Luisa
      O blog não foge (pelo menos espero que não :D ) e vem cá quando puderes ou te apetecer, num bocadinho livre ou quando quiseres saber uma opinião sobre algum livro que eu possa ter lido (quero ver se faço comentários de livros lidos anteriormente para divulga-los também), está à vontade.
      Eu sou suspeita, porque gosto de livros descritivos, quando a descrição é bem feita, claro. Há contos que o são, mesmo sendo contos! Mas não é este o caso.
      Estes são histórias reais, do nosso dia a dia e muito bem escritas, apenas nos deixam apreensivas (um pouco) com a vida e com o que esperamos dela... mas vale muito a pena.
      Em breve iras consegir ler em inglês, e nessa altura pegarás no livro e lembrar-te-ás de mim, ou melhor deste comentário :)
      Ah, os livros do Haruki não são descritivos, podes lê-los à vontade .) penso que irás gostar, pensa é que associado a cada um está uma dose de loucura deliciosa :D
      beijinhos

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