sábado, 8 de março de 2014

8 de Março - Dia Internacional da Mulher e Marina Colassanti

Há quem refira que a 8 de Março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos em Nova Iorque fizeram greve. Ocuparam a fábrica e reivindicaram melhores condições de trabalho, nomeadamente equiparação de salários com os homens, menor carga horária e tratamento digno no ambiente de trabalho. 

Esta manifestação foi reprimida com enorme violência e as mulheres foram trancadas dentro da fábrica. Foi incendiada e morreram cerca de 130 tecelãs carbonizadas.

Em muitos locais faz-se referência a esta situação como o despoletar para que a 8 de Março se comemore o Dia Internacional da Mulher. Mas também há fontes que afirmam que este incêndio foi um acidente e que se passou em 25 de Março de 1911.

Há quem refira que a origem deste dia se prenda com as manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial.

Várias fontes referem que o primeiro Dia Internacional da Mulher foi celebrado em 28 de Fevereiro de 1909 nos Estados Unidos,  em memória do protesto contra as más condições de trabalho das operárias da indústria do vestuário.
No entanto foi no ano de 1910 numa conferência na Dinamarca, dirigida pela Internacional Socialista que foi aprovada a comemoração de um Dia Internacional da Mulher. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU.

Factos históricos um pouco ambíguos, que não determinam a origem certa e o que levou a que este dia 8 de Março sejam considerado o Dia da Mulher, caracterizaram a minha breve busca na internet.
No entanto, factos à parte, o que é certo é que ainda hoje, independentemente de haver um dia para este fim, assistimos a inúmeras situações discriminatórias entre os dois sexos, havendo mesmo certos países em que tal facto é de uma enorme atrocidade.

Não me considero uma feminista, pois acho que cada sexo tem as suas qualidades, defeitos e características e "cada um é como cada qual", cada individuo é um ser próprio e não podemos ser iguais a outro. Mas confesso que defendo direitos iguais, valorizações profissionais iguais e que o trabalho desempenhado por uns e por outros sejam avaliado de uma forma igualmente justa e correcta. 

Sem me querer alongar muito neste comentário apenas vos quero deixar um pequeno conto de uma escritora Marina Colasanti (nascida na Etiópia e que aos 11 anos foi para o Brasil onde vive até aos dias de hoje, daí que o texto esteja em português do Brasil) em homenagem a todas as tecelãs que morreram naquele dia, a todas as outras que desconhecemos e a todas nós mulheres que temos voz e que temos direito a termos vontade própria.


A Moça Tecelã 

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor de luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos de algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao seu lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida.

Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

- Uma casa melhor é necessária, -- disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Para que ter casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cómodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

- É para que ninguém saiba do tapete, -- disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: -- Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

 Marina Colassanti.

8 comentários:

  1. Viva,

    Felizmente caminhamos para que exista mais igualdade entre o homem e a mulher, mas muita luta e sangue derramado para que as coisas evoluíssem neste sentido e claro ainda muita mentalidade para mudar, mas com o tempo chegamos lá :)

    Quanto ao conto, muito bom, obrigado pela partilha :)

    Ai que seriamos nós sem as mulheres eheheh e para mim o dia da mulher é todos os dias :D

    Bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Fiacha :)
      Como já referi no teu blog, é pena que ainda haja tanta desigualdade e tanta discriminação em determinados países no mundo. Este dia serve, na minha opinião para relembrar essas situações internacionalmente, pena que não tenham a influência que seria importante ter.

      Fico contente que tenhas gostado do conto :)
      beijinhos ^_^

      Eliminar
  2. Olá Caminhante

    Seja qual for motivo que levou à criação do Dia da Mulher espero pelo dia em que ele seja apenas comemorado apenas como lembrança do que um dia as Mulheres passaram, mas que já lá vai.

    Quanto à igualdade espero que ele venha e depressa, mas com as devidas diferenças pois cada género, e com tão bem dizes, "cada um é como cada qual".

    Um bonito conto que me deu bastante prazer (e alguma tristeza) ao ler.

    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Marco

      Tens razão este dia devia mesmo ser só um dia de lembrança e nada mais, mas infelizmente não é assim....
      De facto acho que é utópico pensar que homens e mulheres podem ser iguais, somos genética e psicologicamente diferentes. mas igualdade de direitos é um dever de qualquer povo.
      fico contente que tenhas gostado do conto, é uma escritora que descobri à pouco tempo, na pesquisa que tenho feito para histórias que posso contar. É triste, verdade, e infelizmente como falaste no blog do Fiacha, ainda verdadeiro. Pena que não se possa "destecer" algumas situações assim tão facilmente.

      Beijinho e um abraço

      Eliminar
  3. Olá :D
    Excelente ideia para comemorar este dia que muitas das vezes é já esquecido por muitos.
    É essencial lembrar porque razão é este dia tão importante. Muito já se venceu e muito ainda há a mudar e melhorar :) Todos os dias lutamos para melhorar um mundo ainda discriminatório.
    E adorei o conto, lindamente escrito, docemente contado, brilhantemente exemplificado.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Amiga :)
      Acho que já referi nos comentários anteriores a tristeza que é ainda haver situações em determinados países, que nos levam a questionar a igualdade de direitos entre homens e mulheres.

      Fico feliz que tenhas gostado do conto, esta senhora tem vários contos que são simples e mágicos, darei a conhecer outros :)
      beijinhos

      Eliminar
  4. Belo conto!

    Abraço, e esperança de dias bons. <3

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada Gina, que bom vê-la por aqui ^_^
      um abraço também

      Eliminar