sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Dois anos de existência, uma pequena oferta

Faz hoje dois anos que este espaço foi criado. 

Dos objectivos iniciais, muito foi concretizado, mas o tempo passa e vai trazendo novas aventuras. 

As ideias vão-se dispersando como que levadas pelo vento que sopra do norte...e vão surgindo novos sons, novas cores que se vão transformando em mensagens que vou partilhando convosco.

O gosto pela leitura é uma constante e será sempre a linha condutora que me une a todos os meus visitantes, ou quase todos, e é igualmente a face mais exposta do blog.

Não vou falar muito sobre o tempo que passou, apenas quero agradecer todo o apoio e a amizade de quem me visita regularmente e deixa as suas mensagens, ou apenas a visita de quem lê e sai agradado. Espero contribuir para incentivar o gosto pela leitura e pela divulgação de alguns autores, uns mais conhecidos outros menos, através das minhas opiniões. 

Deixo-vos uma prendinha.....

Deixo-vos um conto popular chinês, sobre a criação do mundo, uma história engraçada. Espero que gostem ....




GUMIYA, O CRIADOR 

Dizem que nos tempos de antigamente, o céu e a terra não existiam e que também não havia nem plantas nem homens. Tudo era escuridão e só havia nuvens. Ora aconteceu então que o grande mágico, um gigante chamado Gumiya e os seus doze filhos resolveram criar o mundo e pôr nele muitas coisas. Sem perder tempo, começaram a procurar materiais para criar esse mundo.

Naquele tempo havia um rinoceronte, que era amigo e companheiro das nuvens, que costumava passear com elas pelo universo.

Quando Gumiya descobriu o rinoceronte, obrigou-o a sair do seu esconderijo, arrancou-lhe a pele e fez com ela o céu e depois juntou as nuvens mais bonitas, e fez delas roupas para o cobrir. Dos olhos do rinoceronte, fez estrelas e pô-las a brilhar lá no céu. Com a carne do animal, criou a terra; com os ossos, as pedras; com o sangue, a água e com os cabelos dele, fez várias espécies de árvores, de arbustos, de ervas e de flores. Depois, agarrou no cérebro do rinoceronte e dele fez um homem e uma mulher. Da medula dos ossos, criou todas as espécies de aves, animais selvagens, répteis e peixes.

Gumiya lançou o céu para o espaço, mas não o conseguiu segurar bem e tinha, por isso, medo de que pudesse vir a cair. Debaixo dele suspendeu a terra, mas também não tinha nada com que a sustentar. Com receio de que, de repente, tudo isto se pudesse soltar, então ele, como era muito esperto, descobriu uma maneira de resolver o problema. Transformou as pernas do rinoceronte em quatro pilares e pôs cada um deles nos quatro cantos do céu, a norte, a sul, a leste e a oeste. Depois, Gumiya apanhou uma enorme tartaruga e colocou a terra às suas costas. A tartaruga, no entanto, não estava disposta a fazer isto e pensava sempre numa maneira de escapar. Um seu ligeiro movimento fazia abanar a terra toda. Então para a vigiar, Gumiya escolheu o mais fiel dos seus galos de ouro para a guardar e para não a deixar fugir. Quando a tartaruga se mexia, o galo dava-lhe bicadas nos olhos. Mas, às vezes, quando o galo estava cansado e fechava os olhos, a tartaruga mexia-se um pouco e isso provocava logo um grande tremor de terra. Ainda agora, quando a terra treme, o povo lança logo arroz para o chão e assim o galo acorda para comer e mantêm-se portanto de guarda.

Foi assim que o céu e a terra ficaram firmes e nesse tempo, nuvens muito bonitas andavam pelo céu e duas estrelas brilhavam com um brilho resplandecente. Na terra, cá em baixo, o povo fazia a sua vida normal, todos os dias. As aves voavam pelos céus, as abelhas chupavam o néctar das muitas flores que havia por todo o lado, os veados brincavam no alto das colinas e os peixes divertiam-se nos rios e nos lagos.

Gumiya e os seus filhos estavam contentes, ao verem aquele mundo, tão bonito e tão grande.

Mas, a desgraça aconteceu! Os nove irmãos-sol e as nove irmãs-Lua, que estavam de mal com Gumiya, começaram a ter inveja do sucesso dele e puseram-se a tentar destruir o maravilhoso mundo que ele criara. Juntando as suas forças, lançaram raios de calor sobre a terra, num esforço para queimar tudo.

As lindas nuvens desvaneceram-se e as estrelas brilhantes perderam o brilho. A terra secou e abriu fendas, as colheitas destruíram-se por falta de riqueza da terra, as flores, as ervas e as árvores murcharam e até as pedras se derreteram com o calor. O calor dos vários sois foi tão forte que queimou a cabeça dos caranguejos, as patas das cobras, os rabos das rãs, e as línguas dos peixes e é por isso que hoje os caranguejos não têm cabeça, as cobras não têm patas, as rãs não têm rabo e os peixes não têm língua.

O calor era tanto que Gumiya, para poder sair de casa, pôs cera na sua sombrinha de bambu, para assim se proteger. Mas o sol fez derreter a cera e esta caiu-lhe nos olhos e ele ficou, pois, com eles ardendo. Furioso, jurou:

- Eu não me chamo Gumiya, o criador do céu e da terra, se não for capaz de vos destruir, ó luas e sois!

Foi até à floresta, cortou uma árvore e fez um arco. Depois procurou, até encontrar um vime muito forte para fazer a corda para o arco e um bambu que fosse suficientemente duro para fazer as flechas. Mergulhou depois as pontas das flechas na água do Lago do Dragão, que era uma água venenosa e quando já tinha arco e flechas prontos, Gumiya, passando por lugares onde as pedras eram tão quentes como carvões em brasa e por rios cujas águas pareciam estar fervendo, com o corpo todo molhado de suor, de tal forma que até parecia que andava na chuva, subiu até o ponto mais alto da montanha.

Os nove irmãos-sol e as nove irmãs-lua sentiram-se orgulhosos e lançavam para a terra faíscas que queimavam tudo. Indignado e furioso, Gumiya olhou para eles, lá do alto da montanha. Ignorando o cansaço e o suor que corria por ele abaixo, pôs uma flecha no arco, retesou-o bem e apontou para um dos sois. Ouviu-se, então, um barulho enorme como se fosse um trovão, que abanou toda a terra. O sol, cuspindo fogo, caiu cá em baixo no sopé da montanha. O s oito sóis e as nove luas ficaram então ainda mais raivosos do que já estavam e, resolvidos a queimar por completo toda a terra, juntaram-se para atacar Gumiya, com intenção de fazer dele a primeira vítima. Mas arremessando flechas atrás de flechas, ele ia destruindo, um a um, os vários sóis e luas. Do céu jorrou, então, sangue dos sóis e luas feridos, e a partir daí a terra começou a esfriar. As searas, as ervas e as árvores voltaram à vida e as flores voltaram a aparecer. O sangue dos sóis e das luas caiu na terra, nas folhas das árvores, nas flores e nos pés dos faisões brancos e é por isso que tudo isto ficou vermelho.

No céu ficou apenas um sol e uma lua, que quando viram os seus irmãos e irmãs serem mortos, ficaram com muito medo e tentaram fugir.

Gumiya estava já muito cansado e sem força nos braços, mas a sua fúria ainda não tinha esfriado. A custo, pôs a décima sétima flecha no arco e atirou-a contra a última das luas. Como ele já estava fraco e como a lua estava fugindo, não conseguiu acertar nela. Mas apesar de ter falhado, a flecha passou tão perto dela que, com o susto, ela perdeu todo o calor que tinha. Esfriou tanto que ficou branca como a neve e nunca mais voltou a aquecer. E assim, um sol e uma lua escaparam às flechas de Gumiya, mas ficaram com tanto medo que fugiram para bem longe e nunca mais se atreveram a aparecer por perto.

Sem sol nem lua, a terra esfriou muito e ficou às escuras. Deixou de haver noite e dia, os rios deixaram de correr para a foz e as folhas deixaram de oscilar ao sabor do vento. Os homens para lavrar a terra, tinham de pôr lanternas nos chifres dos bois e tinham de usar bambus de ouro quando andavam na rua, para não caírem. Como é que seria possível sobreviver com um tal frio e escuridão.

Gumiya decidiu, então, ir procurar o sol e a lua e pedir-lhes que regressassem e que, de novo, voltassem a aquecer e a iluminar a terra. E por isso, mandou uma andorinha ir ver onde é que eles se tinham escondido.

Passados alguns dias, a andorinha voltou e disse para Gumiya:

- O sol e a lua estão escondidos numa caverna que fica na extremidade leste do céu.

Então Gumiya convocou uma reunião com todos os animais para discutir este assunto, ou seja, para discutir com eles se estavam ou não de acordo em convidar o sol e a lua a regressar. Todos concordaram com esta proposta e dispuseram-se a ir até ao leste, apesar de todas as possíveis dificuldades por que tivessem de passar, para lhes irem fazer tal convite.

Com muito entusiamo, os animais puseram-se em marcha para ir ter com o sol e a lua e convidá-los a voltar. À frente do grupo iam as andorinhas, que eram seguidas logo pelos pirilampos, que iluminavam o caminho. O galo, pela sua voz sonora, comandava todos os animais que iam voando. O javali, que era o mais forte e corajoso dos animais, dirigia todos os que iam caminhando. Gumiya não foi com eles, já que o sol e a lua tinham medo dele.

Enquanto estiveram escondidos na caverna, o sol e a lua casaram-se, mas andavam muito preocupados, pois sabiam que se passassem o tempo todo, dia e noite, ali escondidos na caverna, morreriam à fome e com falta de ar puro. Eles bem que queriam regressar à sua bonita terra, mas tinham medo que Gumiya lhes atirasse alguma flecha e os matasse. E enquanto assim pensavam, abraçavam-se um ao outro e choravam. Precisamente nessa altura, quando julgavam que não havia futuro para as suas vidas, ouviram um grande barulho, que vinha lá de fora da caverna onde eles estavam. Ficaram ainda mais assustados e fugiram para um canto da gruta e nem se atreviam a respirar, com medo de que os descobrissem.

Quando todos os animais, que os iam convidar a regressar à terra, chegaram à entrada da caverna, começaram a chamar por eles para que viessem cá fora. Mas, lá de dentro, ninguém respondia. O galo pediu a todos silêncio, ele agitou as suas bonitas penas, esticou o pescoço e com o seu lindo cacarejar, disse:

Ó brilhante sol, por favor vem cá.
Ó lua da noite, depressa sai lá.
Depressa! Sem a vossa luz e calor,
A vida para nós, é só dor.

A voz do galo parecia tão sincera e era tão bonita, tão meiga e suave que a lua e o sol, pondo de lado o medo, responderam:

Sem comida, sem ar, aqui queremos morrer;
A vingança de Gumiya não queremos sofrer!
E mais, se fora estivermos;
De comer também não teremos.

Ao ouvir isto, os animais cantaram em coro:

Gumiya pede-vos que regresseis,
Ele não vos matará;
Sua filha Shafeima, sempre vos dará,
A comida, à hora que quereis.

O sol e a lua não podiam acreditar assim tão facilmente que Gumiya lhes pudesse já ter perdoado pelo que acontecera e por isso tinham medo de sair da gruta. Os animais tentaram mais uma vez convencê-los a sair, mas eles não se atreveram a isso. Por fim o galo propôs-lhes o seguinte:

- Vamos combinar o seguinte: a partir de agora, vocês saem, só quando eu vos chamar. Se eu não o fizer, então vocês não saem.

E para que eles pudessem confiar nas suas palavras, o galo partiu um pau ao meio, como é costume fazer quando se faz um acordo entre duas partes, lançou metade para dentro da caverna e ele ficou com a outra metade, que pôs na cabeça. É por isso que, a partir desta data é o galo quem passou a ter uma crista e é também por isso que é ele quem sempre se responsabiliza em acordar o sol, pela madrugada e se alguma vez ele se esquecesse de o fazer, então o dono costuma matá-lo.

Shafeima, todos os dias, tinha de levar comida ao sol e á lua. De manhã ela assumia a forma de uma encantadora moça; ao meio-dia, a de uma jovem cheia de vida e saúde; e, á noite, a de uma velha de cabelo grisalho. Ao sol, ela dava ouro derretido e à lua, dava-lhe prata também derretida.

De acordo com o desejo de Gumiya, pediram todos ao sol que saísse durante o dia e à lua para que saísse durante a noite. Ficaria ainda combinado que eles se poderiam encontrar na caverna no primeiro e no último dia de cada mês. Ficou decidido que o sol viria para a rua durante o dia, já que ele era tímido e tinha medo do escuro. Além disso, como ele era também muito envergonhado, a lua deu-lhe algumas agulhas e disse-lhe que se alguma vez alguém se pusesse a olhar para ele, então, ele poderia apontar para os olhos dessa pessoa uma das agulhas, obrigando-a assim a fechar os olhos.

Por fim, tudo ficou combinado e o sol e a lua iam para sair. Mas a entrada da gruta estava fechada com uma grande pedra. Os todos animais, tentaram removê-la dali, mas não conseguiram. Então o javali, abanando as suas grandes orelhas, disse:

- Saíam daí! Deixem-me tentar agora a mim.

Com um safanão, a pedra deslocou-se para um dos lados.

O sol saiu primeiro e logo a seguir saiu a lua e assim começou a distinguir-se o dia da noite. Todos, na terra, podiam agora gozar da luz e do calor. Quando o sol brilhou no alto da montanha, todos os animais exultaram de alegria. Quando a sua luz penetrou nas florestas, todas as aves começaram a cantar. Ao refletir-se nas águas, todos os peixes nadaram e saltaram com alegria. Os velhos puseram-se a arranjar os arados, as velhas puseram-se a fiar, os rapazes foram para os campos, trabalhar; as moças foram para as montanhas apanhar lenha e os mais novos levaram o gado para a pastagem. E a partir de agora, quando os raios da lua iluminavam a noite com a sua luz prateada, os velhos contavam as suas histórias e quando os seus raios iluminavam os campos, as crianças brincavam alegremente, enquanto os jovens tocavam flauta e alaúde.

Todos estavam alegres e contentes. E depois disto, o mundo tornou-se ainda mais belo do que já era.


do livro: "O Tocador da Flauta Celestial e outros contos" 
Contos Populares Chineses - selecção de Zhao Yanyi 
Landy Editora, 2000

14 comentários:

  1. Olá Caminhante,

    muitos parabéns pelo segundo aniversário do teu blog. Espero que faça muitos e muitos mais anos e que estejamos a acompanhar =)

    Gostei muito do conto! Obrigada por partilhares =)
    Hoje lembrei-me de ti; estive a contar histórias =)

    Beijinho e Bom Ano!

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    1. Olá :D

      muito obrigada, espero que consigo motivar-vos sempre a vir aqui cuscar :)
      Que giro, que histórias contaste ?
      Este conto contei-o na sessão que fiz em Outubro, histórias de vários países, como se fosse uma viagem.

      beijinhos

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  2. Olá São

    Muitos parabéns pelo aniversario :)

    Desde que descobri o teu blog tem sido um prazer vir cá e ler os teus textos e adoro esta tua nova "rubrica" de Lendas e Mitologia ;)

    Um abraço

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    1. Olá Marco
      muito obrigada pelas tuas palavras simpáticas. Sei que és uma visita assídua e muito agradeço os comentários e as partilhas que tens feito, bem como as sugestões, são sempre bem vindas.

      Quanto à "rubrica" espero conseguir mantê-la e torná-la sempre interessante.

      Um abraço também para ti

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  3. Parabéns São por mais um ano do blog.

    O conto é lindíssimo.
    Beijinhos

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    1. obrigada Luisa

      Fico contente por teres gostado do conto, espero conseguir cumprir esta minha ideia de ir publicando uns contos, lendas ou mitos :)

      beijinhos

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  4. Já conhecia a história por alto mas deliciei-me a lê-la :D
    Muito bom; e parabéns pelo aniversário xD

    Nuno Ferreira

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    1. Olá Nuno, gosto de te "ver" por aqui :)
      Obrigada

      Eu gosto bastante da história, e vão surgir outras também que espero serem do teu agrado.
      Já publiquei algumas, podes consultar a página dos contos, lendas e mitos e vês, se tiveres curiosidade, claro.

      beijinhos

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    2. Ok. :) O tempo não é muito mas sempre que possa ou veja um post teu no cantinho eu venho espreitar ou comentar.
      Beijinho :D

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    3. obrigada, mas sem stresses, quando der para vires tudo bem, podes espreitar para desanuviar e se der para comentar, tudo bem, mas não te preocupes se não o fizeres :)
      beijinhos

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  5. Olá Caminhante,

    Tenho estado de "molho" e só agora tive a oportunidade de aqui vir, sabes o que gosto deste blog e espero que se mantenha por muitos e bons anos :)

    Os nossos blogues nasceram ao mesmo tempo, penso que o teu até é mais velinho, ainda me lembro do nosso objetivo inicial, ler um escritor de nacionalidade diferente, foi uma boa experiência enquanto durou, mas depois comecei a ter parcerias e veio por aguas abaixo.

    Gostei do conto e tenhas um excelente 2015 ;)

    Bjs e tudo de bom

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    1. Olá Fiacha
      de molho é que não ... essa é uma péssima noticia :(
      obrigada pelas tuas palavras e também espero que ambos os blogues durem por muito tempo, cheios de interesse.
      Quanto ao nosso objectivo inicial, para mim não foi muito complicado, mas lembro-me dos comentários e de como foi bastante bom par ti no sentido de leres coisas diferentes.

      beijinhos e as tuas melhoras

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    2. Estava a ser uma grande experiência sim senhor, acredito que se cumprido na integra tivesse sido gratificante, vamos ver se um dia o consigo realizar. Lembro-me que até já tinha imensos livros escolhidos :D

      O teu blog é dos melhores que conheço, podes ter a certeza disso, tens é que lhe dedicar apenas mais um tempinho, embora o importante e dar-nos prazer :)

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    3. mais uma vez obrigada amigo pelas tuas palavras simpáticas e animadoras.
      Vamos ver se este ano consigo portar-me bem e venho aqui mais regularmente, quer com os comentários, quer com os contos :)

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