Opinião
Esta obra foi a primeira que li do autor. Foi a escolha de uma amiga do nosso trio de leitura conjunta e surpreendeu-me muito pela positiva.
Por várias vezes tinha observado os livros de Naipaul nas livrarias e nunca me suscitaram curiosidade, talvez porque nunca aprofundei o meu conhecimento quer pelo autor, quer pela sua obra. No entanto a partir de agora olho para eles de uma forma diferente.
Neste livro, o autor apresenta-nos uma escrita muito intimista, onde a personagem principal é o próprio narrador que nos vai falando sobre a sua vida, os seus pensamentos e sobre os outros, os que se cruzam na sua viagem, os que interagem com ele durante a sua aprendizagem e em Londres e sobretudo os outros que são os seus vizinhos na pacata região rural para onde decide ir viver.
A melancolia é um fator presente em toda a obra. O dia-a-dia é monótono, apenas a vivência do próprio narrador é importante. As restantes personagens surgem e desaparecem como as alterações na natureza e a passagem das estações. A vida traz mudanças ao longo do tempo e estas são registadas pelo narrador como fazendo parte do ambiente que o rodeia, a quinta que se transforma, as pessoas que partem, as que morrem, o declínio do próprio espaço. No entanto, estas mudanças levam o autor a sentir um fim, tudo se encaminha para um final, a morte e/ou a decadência.
Um livro muito descritivo, que nos transporta facilmente para o local, as pequenas histórias quotidianas fazem-nos avaliar os nossos valores, e levam-nos a repensar a vida no seu todo.
"Quando veio a primavera e não apareceram folhas de roseiras no meio dos galhos das moitas, com as suas sete folhas, e os botões de rosa não brotaram com os seus espinhos, a Sra. Phillips não disse nada, não tocou mais no assunto das roseiras e das podas. Foi uma das minhas primeiras lições no vale a propósito da ideia de mudança, do declínio do estado de perfeição em que eu julgara ter encontrado as coisas. E, embora nos anos seguintes, em maio, eu procurasse sempre os botões de rosa no meio das moitas, na esperança de um golpe de magia, aquele silêncio da Sra. Phillips acerca das rosas era para mim uma maneira de enfrentar o desaparecimento das rosas. Aquilo que era perfeição para mim teria sido decadência para as pessoas à minha volta, e algo quase inconcebível para os homens que tinham projetado o jardim e cuidado dele nos primeiros tempos.
Portanto, já ninguém falava de roseiras. (...)"
Como se encontra referido na sinopse, “O Enigma da Chegada” é um livro autobiográfico, em que o autor nos conta sobre o seu percurso enquanto escritor, ao mesmo tempo que nos fala das suas viagens a partir da sua terra natal, Trinidad, passando por Londres e Oxford, até uma Inglaterra rural perto das ruínas de Stonehenge, onde vive durante alguns anos.
É neste caminho que ele se descobre enquanto escritor. A formação académica é apenas um pequenino passo de um jovem de origem indiana, que provém de uma pequena colónia inglesa, para a descoberta de uma Inglaterra multifacetada e com características muito próprias a que ele não estava habituado. É um processo de autoconhecimento de um cidadão do mundo, que se vai desenrolando pagina a pagina e que nos leva a reconsiderar o sentimento de pertença a um lugar, ou a uma terra.
"Observei esta mudança na minha personalidade; mas, sem sequer ter consciência de que se tratava de um tema, não escrevi nada no meu diário. De tal forma que, entre o homem que escrevia o diário e o viajante, havia já um hiato, um hiato entre o homem e o escritor.
O homem e o escritor são a mesma pessoa. Mas este facto constitui a maior descoberta de um escritor. Precisei de muito tempo - e de quantas páginas escritas! - para chegar a essa síntese."