segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Leituras e releituras de 2020 - um ano de descobertas e de matar saudades

 


2020 foi um ano um pouco diferente no que respeita às minhas leituras.  Muitos dirão que foi um ano completamente diferente em todas as situações, sem dúvida que o foi. 

Fomos invadidos por um vírus à  escala planetária, qual invasão alienígena  vinda de outro planeta em invisíveis naves espaciais . Alojou-se nos quatros canos do mundo e proliferou com uma rapidez que deixou o nosso planeta perplexo e devassado. Mudaram-se hábitos e rotinas e nada foi igual. 

Mas sem divagar, porque livros e leituras e outras folhas interessantes  são o tema deste  blogue, vamos ao que interessa: fazer uma  retrospectiva de 2020 no que toca às minhas leituras, uma vez que a minha preguiça, em comentar cada livro, tem sido grande (vamos ver se consigo reverter esta tendência durante este ano). 

Como já referi foi um ano diferente relativamente às minhas escolhas. Li e reli alguns livros na sequência de um projeto que estou a desenvolver em parceria com amigos fantásticos e que poderão acompanhar em   https://www.instagram.com/migalhas_de_letras/

Posso então começar por falar nas releituras que fiz ao longo do ano: "Chocolate" e "Sapatos de Rebuçado" da Joanne Harris; "O meu pé de laranja lima" de José Mauro de Vasconcelos; "Amor e Dedinhos de pé" de Henrique Senna Fernandes e "A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça e outros contos" de Washington Irving. 

Foram livros agradáveis de serem relidos, agora com um objetivo especifico e por essa razão o foco incidiu sobretudo na procura de elementos que pudessem enriquecer o projeto que já mencionei. 

Há procura de algo doce, foi também a razão que me levou a pegar em 3 livros juvenis da autora Alice Vieira "Rosa, minha irmã Rosa", "Lote 12, 2º Frente" e "Chocolate à Chuva". São livros agradáveis, destinados a um publico muito próprio que relatam  um período de tempo da vida de Mariana. as suas atribulações com o nascimento da irmã mais nova, a morte da Avó, o inicio do 2º ciclo da escola, uma fase "terrivelmente" importante e a mudança de casa, a identidade do lugar e a sua ligação com a população. 

"Emma" de Jane Austen levou-me de novo ao mundo de Inglaterra do século XIX. Confesso que não sou uma fã da escritora, muito embora lhe reconheça o valor na caracterização da sociedade rural inglesa da época esmiuçando as suas vidas, desenvolvendo intrigas e romances, tendo sempre presente um certo humor e ironia nos diálogos dinâmicos que caracterizam a sua obra. 

Também pela mesma razão redescobri Eça de Queirós, um autor há muito sossegado na minha estante, mas que saiu de lá em grande força com "A cidade e as serras" e o "Mistério da Estrada de Sintra", este último escrito em parceria com Ramalho Ortigão. Dois livros muito diferentes mas dos quais gostei bastante. 

O primeiro conta a  vida de Jacinto, pelo seu amigo José Fernandes, em Paris, cidade que na época era considerada como o expoente máximo da civilização e modernidade. no entanto a pouco e  pouco, vamos conhecendo o ridículo e pretensiosismo que se encontra por debaixo da capa da superioridade dos parisienses. Jacinto acaba por se entediar da vida que leva e encontra-se  psicologicamente devastado, quando surge a necessidade de efectuar uma reparação na igreja da sua propriedade em terras lusas, mais propriamente em Tornes,  Jacinto viaja para Portugal e após uma série de peripécias, descobre o encanto das terras portuguesas. Um livro muito bem escrito, com muito humor e uma caracterização muito boa da sociedade da época. 

O "Mistério da Estrada de Sintra" é um pequeno livro policial, escrito a duas mãos, onde, através do envio de cartas anonimas a um jornal diário, se denuncia um crime. Por resposta a estas cartas, vamos assistindo ao desenrolar de todo o acontecimento em que se veem envolvidos os dois amigos que passavam, por acaso, na Estrada de Sintra  num belo fim de tarde. 

Ao nível da escrita nacional, li ainda um pequeno livro de contos (dez) de Manuel Alegre "O Homem do País Azul", publicada em 1989.  Um livro que se lê rapidamente e que nos oferece um conjunto de histórias ficcionais, mas em que podemos encontrar alguns laivos concordantes com as atribulações politicas e revolucionárias dos anos sessenta. O autor apresenta uma prosa em que se mistura uma realidade, talvez autobiográfica, com o enigma e por vezes com o fantástico.  Muito bem escrito, que mostra claramente a veia poética de Manuel Alegre. 

Há aqueles escritores que gostamos sempre de tornar a ler um livro da sua autoria e este ano não foi exceção. 

"As mulheres do meu pai" de José Eduardo Agualusa (que já comentei anteriormente no blogue) foi uma simpática viagem pelo mundo africano, uma obra que não me conquistou inteiramente, mas que se lê bem, pelo estilo a que o autor nos habitua, um final surpreendente e um excelente trabalho ao nível das personagens. 

"Goa ou o Guardião da Aurora" de Richard Zimler, começou por ser uma leitura onde pretendia pesquisar sabores gastronómicos cheios de cores e cheiros inebriantes que a India sabe bem proporcionar. Esta pesquisa saiu um pouco defraudada, mas a leitura foi muito boa. Mais uma vez o Universo da família Zarco, de raízes luso-judaicas, encontra-se presente na colónia portuguesa de Goa, no final do século XVI.  A perseguição que a Inquisição fazia na época tentando acabar com todas as crenças tradicionais, quer de nativos hindus, quer de emigrantes judeus.  Gostei bastante, como já é habitual nos livros de Richard Zimler.

Algumas leituras simples que não se podem dizer que são extraordinárias mas que conseguiram ter o seu papel de entretenimento. 

"As meninas dos Chocolate" e "As novas meninas dos chocolate" de  Annie Murray falam-nos da vida de três amigas (trabalhadoras na famosa fábrica Cadbury em Inglaterra). A sua vida podia ser simples e sem nada de relevante, no entanto a eclosão da Segunda Guerra Mundial vai transformar as suas vidas. 

"O Tecedor de Sonhos" de Trudi Canavan foi outra das leituras, logo no inicio do ano, que se revelou simpática e simples. É o segundo volume da "Idade dos Cinco" um livro de fantasia, onde os deuses e os povos entram em conflito e Auraya, a protagonista, tenta a sua conciliação. gostei da figura de tecedor de sonhos e das suas vantagens enquanto curandeiros. 

2020 foi igualmente um ano em voltei a participar em leituras conjuntas. Com dois bons amigos leitores,  efetuei três leituras, no ultimo semestre do ano.

José Luís Peixoto, um escritor que andava com vontade de ler, foi o mote inicial para estas leituras conjuntas, com "Uma casa na escuridão" . Não terá sido o melhor livro do autor para começar, pois trata-se de um livro bastante pesado, negro, que apresenta, sob a forma metafórica, uma ideia sobre o fim do mundo. Quando pensamos que nada pior poderá acontecer aos protagonistas, pois isso acontecerá mesmo. O que gostei mais foi mesmo a escrita, uma prosa extremamente poética que nos cativa e que nos leva a querer ler o livro do principio ao fim. Vou querer ler mais deste autor, sem dúvida. 

"Pessoas Normais" de Sally Rooney foi o segundo livro de leitura conjunta. Trata-se da história de dois jovens que se conhecem na escola. De personalidades bastantes distintas, ele mais extrovertido e ela mais introvertida acabam por se relacionar para além da amizade. O livro apresenta-nos o período de tempo entre a secundária e o pós universidade, os seus relacionamentos e os altos e baixos das suas vidas. Confesso que foi um livro que não me prendeu, não gostei do tema e acabei por o ler, sem que o seu desenvolvimento ou o final me cativasse. único aspecto positivo, do meu ponto de vista é claro, foi a escrita simples mas muito bem elaborada da autora. 

A terceira escolha da leitura conjunta recaiu em "Middlemarch" de George Eliot. Uma obra fantástica, que adorei ler em conjunto. É considerado o mais importante romance da época vitoriana. A autora  de nome Mary Ann Evan Cross, adoptou o pseudónimo de Geoge Eliot, porque seria mais fugir aos romances estereotipados como romances leves que as mulheres podiam escrever na época.  Neste livro  a escritora aborda um conjuntos de temas da vida rural inglesa na época, desde a arte, religião e politica, ao mesmo tempo que desenvolve magistralmente as personagens, o seu envolvimento na sociedade e as relações humanas.  Um narrador presente que participa activamente no desenvolvimento do livro e que comenta e opina sobre os acontecimentos, enquadrando-os na época e nos desenvolvimentos socio/políticos. Leitura fantástica. 

Do escritor Neil Gaiman li "Neverwhere - Na Terra do Nada"  que nos leva a uma Londres dividida em Londres-de-cima, munda da luz, e Londres-de-baixo, mundo das trevas. Após um acontecimento imprevisto, o protagonista acaba por ir parar a Londres-de-baixo e a "não existir" no seu mundo. Um livro muito característico deste autor que com a coexistência destes dois mundos cria um ambiente fantástico. Gostei bastante da leitura. 

Um livro emprestado por uma amiga, há muito prometido, deliciou-me e deixou-me uma  certa nostalgia, "Chuva e outras novelas" Somerset Maugham, um livro de pequenas histórias muito ao jeito do autor , onde este explora as personagens, a sua vertente psicológica, os sentimentos dando-lhe um realismo e uma profundidade extraordinária. Adoro a sua escrita, o seu estilo inglês muito próprio, a forma como descreve os cenários, a vivência, os sentimentos, as personagens que ganham vida própria  e se apresentam como o comum dos mortais da sua época. Muito bom.

"Memórias de um gato viajante" de Hiro Arikawa foi um livro que não resisti a comprá-lo assim que o vi. A narrativa desenvolve-se através de dois narradores, um na terceira pessoa que vai contando os acontecimentos e o desenvolvimento da viagem e e o outro na primeira pessoa, ou seja do ponto de vista do gato, onde este comenta sobre o relacionamento humano-gato. Um gato bastante observador e humorista, o que torna a narrativa divertida. ao inicio a escrita parece um pouco desmotivante, mas ao longo do livro vai ganhando força através das emoções e do desenvolvimento da relação do protagonista com o seu gato. Um livro bastante emotivo que nos leva a pensar sobre o valor humano e sobre o que estes felinos pensam e sentem em relação à alma humana, ao valor da amizade dono-gato.

Por último e não menos importante, antes pelo contrário, 2020 deu-me a conhecer uma personagem verdadeiramente fantástica.  Ela chegou pela mão de Lucy Maud Montgomery, no seu livro "Anne dos cabelos ruivos".  A história fala-nos de uma criança órfã que foi adotada por dois irmãos solteiros, de meia idade, Matthew e Marilla Cuthbert, que viviam numa quinta na Ilha do Principe Eduardo no Canadá. Tagarela, esperta, dramática e sobretudo muito imaginativa, Anne com os seus cabelos ruivos, vai alterar por completo a vida daqueles com quem vive e de toda a comunidade.  Várias peripécias engraçadas levam-nos a devorar o livro, criando uma amizade com esta personagem que perdurará para toda a vida.  Verdadeiramente fantástico.