segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Um exercício de escrita com aromas do oriente

 

Eu nem queria acreditar. Nessa manhã algo deve ter espantado o galo da vizinha, pois nem o seu cantar me acordou como habitualmente.

Levantei-me, meio destrambelhado, já o sol ia bem alto no firmamento quando rapidamente tentei, em vão, recuperar o tempo perdido. Ainda sentia o efeito de ter dormido demais e sonhado muito, quando coloquei os pés fora de casa e me desloquei até ao trabalho.

O dia escoou-se no tempo que lhe é habitual, lento e quente nesse dia. Mas após umas boas horas estava de regresso a casa, feliz pelos momentos que me esperavam no conforto da casa, junto da minha família. Os finais do dia eram simpáticos e acolhedores.

O sol ainda lançava os seus raios sobre o meu para-brisas quando o carro da frente parou repentinamente. Coloquei o pé no travão, no seguimento de um reflexo bem oleado e perguntei-me porque raio parava ele assim no meio da rua.

Foi quando as vi. Eram chamuças enormes, esses pasteis indianos com imensas especiarias recheados de carne, legumes ou mesmo de camarão, bem saborosos por sinal. Passeavam-se pelas ruas, de lá para cá e de cá para lá, bamboleando-se como se estivessem numa passerelle, vaidosas e inchadas, as pessoas trincavam-nas ali mesmo, à frente de qualquer transeunte e elas soltavam imensas gargalhadas como se lhes estivessem a fazer cocegas.

Devia estar a alucinar, nem queria acreditar no que estava a acontecer. Mas era real, uma delas aproximou-se da minha janela e senti de imediato o cheiro a cravinho, gengibre, noz moscada e talvez mesmo coentros. Esfregou-se de encontro ao meu braço e murmurou “ dá-me uma trinca, sou bem saborosa”, afastando-se em seguida.

O carro da frente avançou, uma vez que a procissão das chamuças ia passando para trás de nós e eu rapidamente me pus a caminho.

Cheguei a casa e nesse momento lembrei-me que tinha combinado chegar cedo pois iriamos ter uns amigos para jantar connosco. Lena, a minha mulher estava atarefadíssima e ao ver-me o seu rosto ficou vermelhíssimo de tão irritada que ficou.

- Andaste no petisco com os teus colegas, tresandas a especiarias e esqueceste-te do jantar com o Luis e a Marcela? Ao menos podias ter trazido as chamuças de camarão que te pedi!

Ah, mais chamuças… mas estava a ser perseguido por elas! A minha cara devia ter mostrado o espanto e horror que ia dentro de mim, porque a minha mulher pegou no seu saco do tricot e atirou um novelo de lã na minha direção.

- Ui! – exclamei – Nem acredito que me chicoteaste com um fio de lã.

Nesse momento, o galo da vizinha entoou o seu canto madrugador.



publicado no https://www.laboratoriodeescrita.com/conta-me-historias

Obrigada Lara Barradas