Espero que gostem...
Naquele fim de tarde soprava uma
brisa ligeira vinda do Norte, as folhas douradas dos carvalhos dançavam por
entre os ramos e sussurravam entre si. Eu percorria o caminho que já conhecia
de cor, no entanto em cada dia que por ali passava, havia algo novo que me
fascinava. Uns dias era uma bela flor que despontava por entre o verde
brilhante dos pilriteiros ou das madressilvas que trepavam pelos troncos
abandonados, outros dias era uma pequena ave que lutava por alimento junto à
berma do caminho.
Eram sempre pequenas coisas que nos
enchiam o coração, coisas simples que nos faziam sentir a vida a pulsar no
mundo.
Nesse dia, sentia algo diferente
naquele bosque por onde vagueava. Uma pequena nota, como se de uma música se
tratasse, e que ali se encontrava fora de tom. Não a conhecia, no entanto o seu
som era agradável, era doce como uma gargalhada cristalina.
Procurei-a, mas era esquiva e
percebi rapidamente que brincava comigo. Escondia-se no meio do arvoredo e
lançava-me pequenos medronhos vermelhos e doces do cimo dos medronheiros
centenários. Pelo chão, por entre os cogumelos que ponteavam o caminho naquele
dia de Outono, eu procurava vestígios, pequenas pegadas que me pudessem indicar
qual a origem daquela nota dissonante.
Cheguei mesmo a pensar que era
alguma alucinação minha, invenção de um espírito fantasioso que de vez em
quando ocupa o meu cérebro e me lança em correrias desenfreadas pelos caminhos
da imaginação, sem rumo certo. Mas não! Eu estava ali serena, com os pés bem
assentes no chão, com o cabelo a esvoaçar ao sabor do vento do Norte e com os
sentidos bem despertos para os pequenos sons do bosque. Ouvia o chilrear dos
chapins reais no cimo dos carvalhos, os pequenos insectos que rastejavam pelo
chão, escondendo-se por baixo das folhas amarelas que caiam pelo chão
arrastadas pelo vento.
Percorri mais um troço deste caminho
que conduzia a um charco de água que recebia a água proveniente de uma nascente
existente no meio das rochas. A água era pura e fresca, mergulhei as minhas
mãos e levantei-as cheias de água, deixando-a escorrer por entre os dedos,
gosto do som da água a correr cheia de vida.
Ali junto àquele espelho de água,
senti mais uma vez a presença daquele espírito travesso que me seguia os
passos. Lentamente aproximei-me e debruçando-me sobre a água observei o meu
rosto, esperei um pouco naquela posição para ver se mais alguém teria a mesma
ideia do que eu.
Pouco tempo depois, senti uma
presença muito forte a meu lado. Não me mexi e continuei olhando a água. Foi
então que vi aparecer o mais belo rosto que alguma vez vira. A meu lado surgiu
um par de olhos cinzento claro. O cabelo branco brincava em volta de um rosto
esguio e anguloso. Eu não conseguia desviar o meu olhar do seu, era como se uma
força imensa me atraísse. Verifiquei que os seus lábios finos se abriam num
sorriso. Muito lentamente levantei o rosto e olhei directamente para o meu
acompanhante. Desta vez não fugiu e olhou-me abertamente continuando a sorrir-me.
Quem seria aquele estranho ser? Questionava-me.
Lembrava-me as histórias que a minha
mãe me contava, sobre estranhos seres que habitavam as florestas, os elfos (os
meus preferidos), as fadas e os duendes. Aquele seria certamente um elfo, pois
tinha o cabelo rebelde comprido e o cimo das orelhas era pontiagudo como as
personagens das histórias da minha infância.
O seu sorriso era doce e dele
emanava uma paz que chegava em ondas ao meu coração. Sem palavras ele
enriquecia os meus pensamentos fazendo-me sentir viva como há muito não sentia.
Pegou-me na mão e senti uma chama quente que inundava todo o meu ser. Esta
sensação passou dos dedos, da mão para todo o resto do meu corpo, fazendo com
que me sentisse muito leve. Levantando-se, levou-me com ele.
Era um ser etéreo, eu sentia-o mas
apesar de ele agarrar a minha mão, eu não conseguia alcançá-lo. Sentia a chama
que dele emanava, esta consumia-me, percorria todas as células do meu corpo,
substituindo-as, transformando-as e no final senti a vida dele pulsar em mim. Com
ele percorri todo aquele espaço, observando tudo pela primeira vez, a vida que existia
em cada ser naquele bosque, era como se pulsasse em mim, tornando-me
responsável por ela.
Os meus sentimentos estavam de uma
forma que nem sei explicar. A sua voz era cristalina e alegre, e soava na minha
mente, ensinando-me e relembrando-me a viver.
No final do dia, quando o sol se pôs,
deixando um rasto alaranjado no horizonte, sentou-se a meu lado, colocando-me o
braço a envolver os meus ombros e juntamente comigo observamos o pôr-do-sol em
silêncio. Foi então que percebi!
Foi nesse momento que descobri quem
era o meu companheiro e essa descoberta mudou para sempre a minha vida. Nesse
dia aprendi a ver com a alma cada ser, aprendi a ouvir o silêncio e o som do
vento. Aprendi que em cada um de nós existe um ser maravilhoso e travesso que está sempre pronto a dar-nos a
mão e lançar-nos medronhos vermelhos e doces…