sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A linha recta do Corvo de Manuel Alves


Sinopse:


Lince teria uma vida relativamente despreocupada se não fosse a pequena questão de ser perseguido por assassinos, e tudo só porque chateou certas pessoas por ter testemunhado algo que não devia. Felizmente, os corvos avisavam Lince sempre que um assassino se aproximava. Infelizmente, os corvos não o ajudavam a escapar. Uma boa maneira de matar um assassino é tornar-se um assassino melhor. Pelo menos, foi o que Lince pensou. 


Confesso muito sinceramente que foi dos contos de Manuel Alves, o que menos gostei (dos que li até agora). No entanto, deixem-me referir que este meu primeiro comentário baseia-se apenas no meu gosto pessoal, sobre o tema do conto e nada mais. 


De resto, é mais um conto que mostra bem a versatilidade do autor, nos temas escolhidos e na excelente adequação dos estilos e linguagem escrita aos mesmos.

Recheado de uma certa dose de humor negro do início ao fim, bem como as expressões irónicas e sarcásticas que povoam os diálogos entre Lince e os seus opositores levam-nos a sorrir ao longo de todo o texto. Uma leitura fácil e agradável.

Ficam, no entanto, um conjunto de pontas soltas: o que terá levado a este “herói” do deserto ser tão perseguido pelos assassinos e se bem que o final parece claro , será que o sabemos mesmo?

É verdade que o facto de estas pontas ficarem misteriosamente escondidas, dão alguma graça e curiosidade que nos leva a ler com gosto todo o conto. Se tudo se conhecesse sobre este personagem e sobre o seu destino, não cativaria tanto, na minha opinião. É o tamanho certo , com a informação certa para o meu gosto, claro.

Resumindo, apesar de como referi, não ser um tema que me agrade particularmente, reconheço que está muito bem escrito, com uma mistura de ingredientes que o tornam interessante e divertido. Passei um bom momento, com a sua leitura.

Este conto pode ser encontrado gratuitamente, pelo menos até à data, em  https://www.smashwords.com/books/view/256021



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

“Os livros que devoraram o meu pai” de Afonso Cruz

“Olho para os meus filhos e para os meus netos e penso em que diabo de histórias se meterão eles e o que é que eles poderão um dia contar. Porque um homem é feito dessas histórias, não é de adê-énes e músculos e ossos. Histórias”. 



Sinopse
Vivaldo Bonfim é um escriturário entediado que leva romances e novelas para a repartição de finanças onde está empregado. Um dia, enquanto finge trabalhar, perde-se na leitura e desaparece deste mundo.
Esta é a sua verdadeira história — contada na primeira pessoa pelo filho, Elias Bonfim, que irá, qual Telémaco, à procura do seu pai, percorrendo clássicos da literatura cheios de assassinos, paixões devastadoras, feras e outros perigos feitos de letras.


Elias Bonfim descobre, no dia em que faz doze anos que afinal o seu pai não tinha morrido de doença de coração, como lhe tinham contado, mas, na verdade, entrara dentro de um livro e nunca mais ninguém soubera dele. A sua avó revela-lhe este segredo, no dia seguinte ao seu aniversário, ao mesmo tempo que lhe entrega, de prenda de anos, a chave do sótão onde se encontra a biblioteca do seu pai.

A partir desse dia, o jovem parte em viagem pelo mundo dos livros, seguindo as “pegadas” do pai, Vivaldo Bonfim. Começando pelos livros mais ligeiros, vai percorrendo os mundos descritos de vários autores, tentando encontrar vestígios e pequenos sinais, sempre na esperança de um encontro. Alguns dias mais tarde, começa a ler outros autores e entra verdadeiramente na sua aventura e procura pela “A ilha do Dr. Moreau” de H.G.Wells, passando para Stevenson, Dostoievski, Italo Calvino, Bradbury ou Jorge Luís Borges, entre outros.

Paralelamente a este desfolhar da biblioteca situada no sótão da sua avó, vamos acompanhando as suas aventuras de jovem adolescente com a mãe, avó, os amigos e até mesmo com a sua apaixonada. Aqui, na vida real, é o seu melhor amigo Bombo, que o apresenta a Lao Tse, mítico filósofo chinês, criador do Taoísmo.

Este livro, através da sua escrita simples e ligeira, permite a leitura de um público extremamente diversificado. Desde os mais jovens aos adultos, ou mesmo desde o leitor menos ávido ao mais apaixonado pela leitura, todos eles se sentem atraídos pela história do jovem Elias, possibilitando vários níveis de leitura, conforme a idade e a experiência do leitor.

A linguagem cativa-nos quer pela sua simplicidade, quer pela sua prosa poética, que surge nas caracterizações e descrições ao longo do livro.

“E no dia seguinte lá fui, depois das aulas, ter com a minha avó. Ela disse-me para me sentar, fez um gesto com a mão engelhada em direção ao sofá das riscas. Sento-me sempre nessas riscas, sempre que a visito. Ela também se sentou com a sua lentidão e um vestido florido. Passou as mãos pelo cabelo, ajeitou a voz e os óculos. Por vezes a voz dela fica um pouco amarrotada, quando se senta, quando acaba de fazer um esforço. Explicou-me – enquanto eu mastigava um bolo – que eu já era um homenzinho e que começava a ter responsabilidades. Estava na altura de saber a verdade. As palavras dela vinham cheias de cabelos brancos, podia sentir que havia nelas muita vida vivida. (…)”

Elias Bonfim, vai crescendo enquanto pessoa, neste livro, atrás da ideia de que as histórias, a literatura, são constituintes integrantes do ser humano e dele fazem parte. “As personagens de carne são exatamente como nós, os de papel e letras negras” afirma Raskolnikov. (protagonista de “Crime e Castigo” de Dostoiévski. Paralelamente ele aprende duras lições na vida real, onde os sentimentos de culpa e arrependimento chegam tarde demais.

Um livro muito bom, que devoramos num ápice, completamente absorvidos pelo desfolhar das páginas sem darmos conta deste facto. 

Afonso Cruz é um excelente escritor, do qual vou querer ler muito mais.

Para uns, a raiz é a parte invisível que permite à árvore crescer. Para mim, a raiz é a parte invisível que a impede de voar como os pássaros. Na verdade, uma árvore é um pássaro falhado.”